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Hungria endurece leis antidrogas e acende alerta sobre repressão e violência de Estado

by Redação

Nova ofensiva do governo de Viktor Orbán mira usuários e agrava abusos policiais, enquanto jovens lideram consumo de substâncias na Europa

Após 15 anos no poder, o governo de extrema-direita da Hungria voltou suas atenções para uma nova frente de ataque: os usuários e vendedores de drogas. A partir de março de 2025, o primeiro-ministro Viktor Orbán anunciou uma repressão nacional ao tráfico, seguida pela inclusão, em abril, de um artigo na Constituição que proíbe “a produção, uso, distribuição e promoção de drogas” no país.

A medida marca mais uma etapa no uso político de grupos marginalizados pelo governo húngaro. Antes disso, migrantes, pessoas LGBTQIA+, opositores e até bilionários filantropos como George Soros já foram alvos de campanhas de ódio e perseguição institucional. Agora, com a guerra às drogas, o risco de violência policial e violações de direitos humanos se intensifica, alertam especialistas.

Apesar da retórica de proteção à juventude, os dados mostram o fracasso das políticas de “tolerância zero”. Segundo o relatório ESPAD 2024, os adolescentes húngaros entre 15 e 16 anos lideram o ranking europeu no consumo de álcool, tabaco, cigarros eletrônicos, anfetaminas e MDMA. A Hungria aparece entre os piores desempenhos em termos de prevenção e redução de danos, justamente porque essas abordagens foram abandonadas pelo governo.

De 2000 a 2009, o país chegou a adotar uma política pública de drogas relativamente progressista, com serviços de redução de danos, prevenção e apoio comunitário. Mas desde a ascensão do Fidesz, partido de Orbán, a estrutura foi desmontada: centros de apoio foram fechados, a verba foi reduzida em 90% e a estratégia nacional de drogas não foi renovada desde 2020.

A criminalização aumentou em 2025. Desde junho, quem for flagrado com pequenas quantidades pode escapar da punição se aceitar passar seis meses em programas de tratamento – desde que revele quem vendeu a substância. A medida foi criticada por advogados e entidades de direitos humanos como uma forma de chantagem institucionalizada.

Casos mais graves, como cultivo caseiro, também passaram a ser enquadrados como tráfico, mesmo sem provas de venda. Cultivar seis plantas de cannabis, por exemplo, já é considerado suficiente para responder como traficante.

A polícia tem ampliado operações de forma agressiva, incluindo batidas em festas e discotecas, prática comum nos anos 2000, que agora retorna com força total. Jovens têm sido parados e revistados em vias públicas por razões como “roupas chamativas” ou “semelhança com suspeitos”, muitas vezes sem mandado ou justificativa legal.

Em março, um homem de 56 anos foi espancado até a morte durante uma abordagem policial na cidade de Szeged. Ele portava alguns gramas de cannabis, segundo sua família. A polícia, no entanto, alegou que se tratava de drogas sintéticas e resistência à prisão. Mesmo com fraturas na coluna e hospitalização, a investigação interna concluiu que a ação foi “legal, profissional e proporcional”.

A comoção gerada pelo caso é agravada pelo fato de ter ocorrido antes mesmo da entrada em vigor da nova legislação, o que levanta temores sobre o aumento da violência estatal nas próximas etapas da repressão.

Álcool incentivado, cannabis criminalizada

Enquanto endurece a repressão às drogas, o governo húngaro criou um controverso programa de incentivo ao consumo de álcool em vilarejos com menos de mil habitantes. O “Programa dos Pubs” oferece até € 7.500 para bares promoverem atividades sociais. Quando questionado sobre a contradição, o gabinete de Orbán afirmou que “o consumo moderado de álcool pode trazer benefícios à saúde” — declaração contrária às evidências científicas da OMS, que classificam a Hungria como um dos países com maior número de bebedores problemáticos da Europa.

Enquanto isso, o uso medicinal da cannabis segue proibido, mesmo com evidências robustas de eficácia em condições como epilepsia, dor crônica e ansiedade. Pacientes que recorrem à planta, mesmo por razões médicas, continuam sendo tratados como criminosos.

A criminalização de substâncias na Hungria está sendo usada como arma política e ideológica. Sem políticas públicas de saúde mental, apoio social ou combate à desigualdade, o governo prefere culpar os usuários por falhas sistêmicas. O uso problemático de cannabis sintética entre pessoas em situação de pobreza é outro exemplo ignorado pelas autoridades — denunciado por sociólogos há mais de uma década, sem qualquer ação preventiva ou educativa.

A estratégia repressiva, marcada pela vigilância, punição e violência, desvia o foco das verdadeiras causas do consumo problemático e compromete ainda mais os direitos civis no país.

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