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Repressão às drogas aumenta a violência, aponta relatório encomendado pelo governo britânico

by Redação

Estudos reforçam que a guerra às drogas é ineficaz e agrava problemas sociais e de segurança pública

Um novo relatório publicado pelo Ministério do Interior do Reino Unido jogou luz sobre um dado alarmante: ações de repressão às drogas tendem a aumentar a violência, em vez de reduzi-la. Encomendado pelo próprio governo britânico e elaborado pela respeitada organização de pesquisa RAND Europe, o estudo destaca que, em diversos contextos analisados, a intensificação das políticas proibicionistas gerou mais conflitos armados, mortes e instabilidade social.

“Mais estudos demonstraram uma associação entre repressão às drogas e aumento da violência do que o contrário”, afirma o relatório, publicado em 27 de março de 2025.

Essa constatação reforça evidências já conhecidas por especialistas e ativistas antiproibicionistas: a guerra às drogas falhou em seus objetivos e contribui para o fortalecimento de grupos criminosos. Ainda assim, o fato de um órgão governamental britânico reconhecer publicamente essas falhas representa um marco importante no debate sobre políticas de drogas.

O relatório alerta que prisões de líderes de facções e apreensões de drogas podem causar mais danos do que benefícios, ao gerar disputas violentas pelo controle de territórios e rotas. Essa “desorganização do mercado” muitas vezes resulta em aumento de homicídios, ameaças e caos social.

“A guerra às drogas alimenta uma corrida armamentista entre o Estado e o crime organizado — e só os grupos mais violentos e espertos sobrevivem”, afirma Steve Rolles, da Transform Drug Policy Foundation.

Casos como o assassinato do jornalista Peter de Vries na Holanda e os ataques contra autoridades na Bélgica, após a desarticulação de redes criptografadas como a Sky ECC, são mencionados no relatório como exemplos claros de como a repressão pode gerar represálias violentas e instabilidade.

Repressão também aumenta o risco de overdose

Além da violência, a repressão agrava problemas de saúde pública. O ex-policial britânico Neil Woods, que hoje lidera o Law Enforcement Action Partnership UK, destaca que ações policiais podem provocar surtos de overdose, ao interromper o fornecimento de substâncias para usuários que, em desespero, buscam novas fontes — muitas vezes com drogas adulteradas ou mais potentes.

Esse fenômeno é conhecido como o paradoxo da repressão às drogas, e foi detalhado em estudo publicado pela American Journal of Public Health em 2023.

“Nenhuma ação policial reduz o tamanho do mercado de drogas. Isso é uma ilusão”, afirma Woods, que atuou por anos infiltrado em operações antidrogas antes de se tornar um crítico do sistema.

As evidências reunidas por relatórios como os da RAND Europe e do think tank RUSI Europe apontam para um impacto devastador das políticas proibicionistas, tanto em termos sociais quanto humanitários. Em muitos casos, ações policiais resultam na morte de pessoas não armadas, como ocorreu com Sean Fitzgerald, ex-soldado britânico morto pela polícia em 2019 durante uma operação em uma plantação de cannabis.

De acordo com o acadêmico Petter Grahl Johnstad, em artigo publicado na International Journal of Drug Policy, a repressão ao mercado de drogas pode ser interpretada como uma violação do direito à vida e à segurança.

“A criminalização das drogas transforma o mercado ilícito em um negócio altamente lucrativo, atraente para organizações criminosas dispostas a matar para manter o controle.”

Mesmo diante dessas evidências, o governo britânico ainda não se posicionou sobre possíveis mudanças em sua política de drogas. Mas o fato de o relatório ter sido publicado oficialmente pelo Home Office já é considerado uma vitória por especialistas que defendem modelos regulatórios baseados em ciência, saúde pública e direitos humanos.

Para o Brasil, que vive um contexto semelhante de criminalização massiva da pobreza e encarceramento em massa, estudos como esse são cruciais para embasar a necessidade urgente de reformas nas políticas de drogas e legalização regulada da cannabis e de outras substâncias.

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