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OMS avalia possível reclassificação internacional da folha de coca

by Redação

Planta tradicional dos Andes pode ter status revisado após décadas de proibição global

A Organização Mundial da Saúde (OMS) está conduzindo uma revisão crítica sobre os impactos da folha de coca na saúde, o que pode levar à reclassificação da planta nos tratados internacionais de controle de drogas. A avaliação atende a pedidos da Bolívia e da Colômbia, dois países onde a coca tem profundo valor cultural e medicinal.

Se a OMS recomendar a retirada da coca da lista de substâncias mais restritivas da Convenção Única sobre Entorpecentes da ONU, isso poderá abrir caminho para a legalização de seu uso tradicional e até mesmo impulsionar mercados regulados da planta.

Por mais de 8.000 anos, comunidades indígenas andinas mastigaram folhas de coca como fonte de energia, nutrição e conexão espiritual. No entanto, no século XX, governos e organizações internacionais passaram a tratá-la como uma ameaça, associando seu consumo ao atraso social e à degeneração racial.

Em 1949, um comitê da ONU recomendou a erradicação total da planta, classificando seu uso como um “mal social”. Isso levou à proibição global da folha de coca na Convenção Única sobre Entorpecentes de 1961, criando barreiras até mesmo para pesquisas científicas sobre seus benefícios.

Com essa justificativa, os Estados Unidos financiaram por décadas campanhas de erradicação da coca, especialmente na Colômbia, Peru e Bolívia. A “guerra às drogas” resultou em conflitos violentos, com mais de 260 mil mortes e milhões de deslocados apenas na Colômbia.

Revisão da OMS pode mudar paradigma global

Especialistas apontam que a atual classificação da folha de coca é ultrapassada e cientificamente insustentável. Estudos conduzidos desde os anos 1970 mostram que a planta contém altos níveis de cálcio, ferro e vitaminas, sendo uma importante fonte nutricional para povos andinos.

“Não é justo que a folha de coca seja tão demonizada”, afirma o botânico colombiano Óscar Pérez, do Kew Gardens. Segundo ele, a proibição tem mais raízes no colonialismo do que em evidências científicas.

Para o antropólogo Wade Davis, autor de One River, livro que narra a história da coca, a guerra contra a planta sempre foi motivada mais pelo dinheiro do que pelo combate às drogas.

“O que mantém o mercado funcionando é o dinheiro, não a droga em si”, disse Davis em um encontro recente na ONU.

A OMS tem três opções principais: manter a coca na Lista I de substâncias proibidas, transferi-la para a Lista II (menos restritiva) ou recomendar sua remoção completa dos tratados de controle de drogas.

Uma eventual reclassificação poderia beneficiar comunidades indígenas e pequenos produtores, além de abrir portas para produtos legais à base de coca. Já existem iniciativas, como bebidas energéticas e cervejas feitas com extrato da folha, sendo comercializadas em mercados internacionais.

No entanto, qualquer mudança enfrentará forte resistência de países que defendem a atual política de proibição, especialmente os EUA.

“Os governos temem que a revisão da folha de coca abra precedentes para questionar a proibição de outras drogas”, explica Martin Jelsma, diretor do Instituto Transnacional.

Enquanto isso, o debate avança. Em março de 2024, o Alto Comissário da ONU para Direitos Humanos, Volker Türk, defendeu a necessidade de revisar políticas que criminalizam práticas indígenas tradicionais. Em fevereiro deste ano, a Bolívia e a Colômbia organizaram um evento de alto nível sobre o tema, com apoio de países como México, Suíça e Canadá.

Para o vice-presidente da Bolívia, David Choquehuanca, o reconhecimento da folha de coca é uma questão de identidade cultural: “A verdade de que a folha de coca não é uma droga está emergindo na consciência coletiva.”

Nos próximos meses, a decisão da OMS poderá representar um passo histórico para a revalorização da coca e para o questionamento da lógica da proibição global.

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