Veto de Greg Abbott a projeto que proibia derivados de cannabis no estado é interpretado como apoio indireto à regulamentação do uso adulto
O embate político em torno da cannabis no Texas ganhou um novo e inesperado capítulo. O governador Greg Abbott (Republicano) foi duramente criticado por seu próprio vice, o tenente-governador Dan Patrick, após vetar um projeto de lei que proibiria a venda de produtos de cânhamo com tetra-hidrocanabinol (THC) no estado. Patrick chegou a acusar Abbott de querer, ainda que indiretamente, legalizar a cannabis para uso recreativo no Texas.
“O governador do Texas quer legalizar a maconha recreativa. Esse é o resultado do veto dele — seja intencional ou não”, disparou Patrick em coletiva de imprensa realizada nesta segunda-feira (24).
A declaração veio em resposta à decisão de Abbott de vetar o projeto Senate Bill 3, que pretendia restringir a comercialização de derivados de cânhamo, como comestíveis, vaporizadores e flores com THC, hoje vendidos legalmente em mais de 8 mil estabelecimentos do estado.
O governador justificou o veto afirmando que o melhor caminho seria adotar um modelo de regulação semelhante ao do álcool, com idade mínima para consumo, zonas específicas de comercialização e proibição do uso em espaços públicos — modelo esse que, para críticos, se aproxima perigosamente da legalização plena da cannabis.
“Ele mentiu para mim”, acusa vice-governador
Visivelmente irritado, Patrick acusou Abbott de trair acordos anteriores feitos entre suas equipes. Disse ainda que o governador mentiu sobre sua posição e cedeu à pressão de grupos externos e internos do governo.
“Ele me garantiu que assinaria o projeto. Inclusive pediu à minha equipe sugestões para justificar a assinatura. Então o que aconteceu? Quem convenceu o governador a mudar de ideia?”, questionou Patrick, sugerindo que a motivação de Abbott pode ter sido política.
Em tom desafiador, o vice-governador cobrou uma posição pública do governador:
“Se você é contra a legalização, então diga isso claramente. Caso contrário, o que você está fazendo é abrir as portas para o uso adulto de cannabis no Texas.”
O veto de Abbott ocorre após uma intensa mobilização da indústria do cânhamo, que entregou ao gabinete do governador mais de 100 mil assinaturas pedindo o veto à proibição. A proposta de banimento foi duramente criticada por veteranos militares, que alegaram que o acesso aos derivados de cannabis é essencial para o tratamento de transtornos como TEPT, e por agricultores, que alertaram para o impacto econômico da medida em uma cadeia produtiva que emprega cerca de 53 mil pessoas no estado.
Além disso, pesquisas de opinião mostraram que tanto eleitores democratas quanto republicanos do Texas se posicionaram contra a proibição dos produtos de cânhamo. Um levantamento encomendado pelo Texas Hemp Business Council revelou que a maioria dos eleitores republicanos nas primárias também é contra o projeto.
Enquanto isso, o governador Abbott sancionou uma lei que amplia o programa estadual de cannabis medicinal, incluindo novas condições de saúde e autorizando a abertura de mais dispensários. No entanto, o próprio tenente-governador afirmou que essa expansão “se tornou inútil” após o veto, pois os efeitos práticos do programa estariam comprometidos pela indefinição jurídica em torno dos derivados da planta.
Abbott convocou uma sessão especial da Assembleia Legislativa para 21 de julho, onde o tema será retomado, incluindo outras pautas vetadas.
A movimentação no Texas evidencia o cenário contraditório que envolve o debate sobre a cannabis nos EUA: enquanto a maioria dos estados já legalizou algum nível de uso medicinal ou recreativo, resistências políticas e ideológicas ainda barram avanços em estados conservadores, mesmo diante de pressão popular, dados econômicos e evidências científicas.