Enquanto o governo federal dos Estados Unidos mantém a proibição da cannabis, algumas nações indígenas estão avançando com políticas próprias de regulação da planta. Um exemplo recente vem do Mississippi, onde o Povo Choctaw anunciou uma série de audiências públicas que antecedem um referendo popular sobre a legalização do uso adulto da cannabis em seu território.
Entre os dias 12 e 28 de maio, lideranças da Nação Choctaw organizarão encontros comunitários para ouvir a opinião dos membros sobre a proposta. A votação oficial está marcada para o dia 10 de junho. Na ocasião, será feita a seguinte pergunta: “Você apoia que a Nação Choctaw desenvolva uma legislação para descriminalizar e regulamentar a posse, produção e distribuição de maconha em suas terras?”
Se aprovada, a medida tornará a Nação Choctaw a única jurisdição dentro do estado do Mississippi com um mercado legal de cannabis para adultos — uma decisão histórica em um dos estados mais conservadores dos EUA, onde a planta ainda é amplamente proibida, inclusive para uso medicinal.
Soberania indígena impulsiona reformas antiproibicionistas
Esse movimento é mais um exemplo do crescente protagonismo de povos originários norte-americanos na formulação de políticas próprias de drogas, desafiando a proibição federal e, em muitos casos, também a legislação estadual.
Na Carolina do Norte, por exemplo, onde a cannabis ainda é ilegal para todos os fins, a Nação Cherokee Oriental aprovou, em 2023, um referendo para legalização. As vendas começaram no ano passado, atraindo atenção até mesmo do Congresso norte-americano. O senador republicano Thom Tillis (NC) pediu recentemente que a nova liderança da Agência de Fiscalização de Drogas (DEA) avalie as implicações legais dessas políticas locais.
Em Montana, onde a cannabis foi legalizada por meio de plebiscito em 2020, o Legislativo estadual aprovou uma lei que permite ao governador firmar acordos de cooperação com povos indígenas, visando facilitar sua participação na indústria legal. Modelo semelhante já existe em Minnesota, embora uma tentativa recente de tornar esse processo mais transparente tenha fracassado no parlamento estadual.
As iniciativas demonstram como a autonomia dos povos indígenas pode abrir caminhos concretos para políticas de drogas mais justas, sustentáveis e voltadas à reparação histórica — um debate ainda incipiente no Brasil.
O que isso tem a ver com o Brasil?
A movimentação de nações indígenas nos EUA pode servir de inspiração para o Brasil, onde os povos originários também possuem autonomia sobre seus territórios e saberes ancestrais. Muitas comunidades tradicionais já utilizam plantas medicinais em seus sistemas de saúde e espiritualidade, e poderiam exercer protagonismo em um modelo de regulação da cannabis que seja ético, inclusivo e baseado em justiça social.
No entanto, por aqui, o debate sobre a legalização ainda esbarra em preconceitos, desinformação e interesses políticos conservadores. O avanço da judicialização do acesso à cannabis medicinal e o aumento das autorizações individuais indicam uma demanda crescente por alternativas à atual política proibicionista — e os povos originários, mais uma vez, podem ser aliados estratégicos nesse processo.