Pesquisa aponta potencial da psilocibina e compostos semelhantes no tratamento da depressão, TEPT e doenças neurodegenerativas
Uma única dose de um composto psicodélico pode provocar mudanças duradouras na forma como o cérebro lida com desafios e se adapta a novas situações. É o que mostra um estudo recente da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, que identificou ganhos significativos na flexibilidade cognitiva — ou seja, na capacidade do cérebro de se ajustar a mudanças — até três semanas após o uso da substância.
A descoberta, publicada na revista científica Psychedelics, reforça o crescente corpo de evidências sobre o potencial terapêutico dos psicodélicos no tratamento de transtornos mentais, como depressão, transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) e doenças neurodegenerativas.
“O aspecto mais impressionante de nossas descobertas é que esses benefícios cognitivos foram medidos 15 a 20 dias após uma única administração psicodélica”, destacou a pesquisadora Elizabeth J. Brouns, primeira autora do estudo. “Isso sugere que uma única dose de um psicodélico não altera apenas temporariamente a percepção, mas potencialmente induz mudanças benéficas duradouras na função cerebral.”
O experimento foi realizado em camundongos, que receberam uma única dose de 25CN-NBOH, um agonista seletivo do receptor de serotonina 2A — o mesmo que é ativado por compostos como a psilocibina, presente nos chamados “cogumelos mágicos”. Duas a três semanas após o tratamento, os animais apresentaram desempenho muito superior em tarefas de adaptação e aprendizado reverso, em comparação com os grupos que não receberam a substância.
“O que torna esta descoberta particularmente significativa é a duração sustentada dos benefícios cognitivos após apenas uma dose psicodélica”, explicou o professor Omar J. Ahmed, autor sênior do estudo. “Observamos uma maior adaptabilidade ao aprendizado que persistiu por semanas, sugerindo que esses compostos podem induzir mudanças de neuroplasticidade duradouras e comportamentais significativas no córtex pré-frontal.”
Avanço para o tratamento da depressão e outros transtornos
O estudo utilizou um modelo automatizado para medir como os animais respondiam a mudanças de regras em tarefas cognitivas, um teste comum para avaliar flexibilidade mental. Os resultados apontam para uma adaptabilidade superior dos camundongos tratados, que alcançaram maiores taxas de acerto e mais recompensas em menos tempo.
Essa descoberta se soma a evidências anteriores que indicam a capacidade dos psicodélicos de promover reestruturações neuronais no cérebro, indo além dos efeitos imediatos e induzindo mudanças persistentes na maneira como pensamos e reagimos ao mundo.
O estudo também verificou que tanto camundongos machos quanto fêmeas apresentaram melhorias semelhantes, indicando que os benefícios se estendem para ambos os sexos — algo relevante para o desenvolvimento de terapias mais inclusivas.
Com o crescente interesse pela medicina psicodélica no Brasil e no mundo, pesquisas como esta abrem caminho para novas abordagens terapêuticas. Ainda há perguntas importantes a responder: qual seria o efeito de múltiplas doses ao longo do tempo? Há um limite de eficácia? E quais os riscos do uso prolongado?
“Uma questão fundamental é o que acontece com duas, três ou até vinte doses tomadas ao longo de vários meses”, pondera Ahmed. “Cada dose adicional é cada vez mais benéfica para a aprendizagem flexível ou há um efeito de platô ou mesmo um efeito negativo do excesso de doses? Essas são questões importantes a serem respondidas na busca por tornar a medicina psicodélica mais racional e mecanicista.”
No Brasil, o uso terapêutico de psicodélicos ainda enfrenta barreiras legais e culturais, mas os avanços científicos têm impulsionado o debate sobre a regulação e a necessidade de políticas públicas baseadas em evidências. Com estudos cada vez mais robustos, cresce a pressão para que o país acompanhe o movimento internacional de descriminalização e regulamentação de substâncias como a psilocibina.
O Portal Cannabis Medicinal seguirá acompanhando de perto o avanço da ciência psicodélica e seu impacto no bem-estar, na saúde mental e no futuro da medicina. Com informações de O Globo.