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Estudo revela impacto da regulamentação na perda de diversidade genética da cannabis

by Redação

Um novo estudo acadêmico publicado nos Estados Unidos levanta um alerta sobre um fenômeno preocupante: a perda da diversidade genética da cannabis em escala global. De acordo com a pesquisa desenvolvida por Caleb Y. Chen, mestre pela Universidade Estadual Politécnica da Califórnia (Cal Poly Humboldt), a busca por cultivares com maior rendimento, floração rápida e alta concentração de canabinoides está levando a um processo de “estreitamento genético” da planta — um fenômeno conhecido como bottlenecking.

A tese, que combina análise genética com entrevistas com dezenas de cultivadores e breeders, examina como as pressões econômicas e regulatórias do mercado de cannabis legal estariam incentivando práticas que colocam em risco a biodiversidade da planta, com implicações sérias para o futuro da medicina canábica.

O estudo mostra que, no contexto da chamada era “pós-proibição”, produtores têm priorizado poucas características genéticas: maior proporção de flores em relação a folhas e caules, altíssimo teor de THC, perfis aromáticos atrativos e estabilidade química. Ainda que essas escolhas façam sentido do ponto de vista regulatório e comercial, elas têm provocado um empobrecimento genético significativo.

Segundo relatos de cultivadores entrevistados por Chen, essa preferência por teores elevados de THC não parte, necessariamente, dos produtores, mas sim de exigências de mercado e da desinformação do público consumidor. “A regulamentação estadual e o consumo baseado em números nos rótulos pesam mais que a experiência sensorial ou terapêutica”, aponta o autor.

O estudo revela que variedades de cannabis verdadeiramente selvagens já são, possivelmente, coisa do passado. Pesquisas genéticas recentes indicam que as chamadas plantas “silvestres” seriam, na verdade, exemplares domesticados que escaparam para a natureza. A polinização pelo vento e a disseminação global de híbridos modernos estariam eliminando gradativamente as populações de landraces — variedades tradicionais cultivadas há séculos em regiões como Marrocos, Jamaica, México, Tailândia e Índia.

Além disso, as plantas nativas estariam sendo “contaminadas” geneticamente pelos híbridos contemporâneos, o que contribui ainda mais para a homogeneização do pool genético da cannabis em todo o mundo.

A homogeneização genética tem efeitos diretos na medicina baseada em cannabis. Quando o mercado se concentra em poucas cultivares com perfis químicos semelhantes, perde-se a diversidade de compostos secundários — como terpenos e canabinoides menores — que podem ter papel essencial na eficácia terapêutica da planta.

“Esses resultados destacam o papel das políticas públicas na redução da diversidade genética da cannabis, com impacto direto no potencial terapêutico dos produtos disponíveis”, afirma Chen.

Em contrapartida à padronização do mercado, o estudo destaca o movimento do cannabis artesanal como uma resistência dentro da própria indústria. Mais do que uma jogada de marketing, a produção artesanal resgata métodos de cultivo que valorizam o perfil completo da planta, respeitando seus ciclos naturais e a complexidade da interação entre compostos.

Breeders entrevistados apontam, por exemplo, cultivares como a “Dr. Grinspoon”, conhecida por sua floração longa (até 24 semanas), como exemplares únicos cujo valor medicinal e sensorial vai muito além do que os testes laboratoriais conseguem medir atualmente.

A pesquisa conclui que é urgente repensar as políticas públicas que regem o cultivo e a regulamentação da cannabis. Regulamentações que forçam a padronização da planta, sem considerar sua complexidade genética e fitoquímica, podem limitar as inovações terapêuticas e a compreensão científica da planta.

Chen recomenda que formuladores de políticas considerem a importância da diversidade genética para o avanço da medicina canábica, ouvindo os próprios breeders como parte da construção de uma regulação mais equilibrada.

Enquanto isso, outros estudos continuam revelando a complexidade do genoma canábico. Pesquisadores da Université Laval, no Canadá, identificaram recentemente 33 marcadores genéticos relacionados à produção de canabinoides, abrindo caminho para a criação de novas variedades com perfis terapêuticos personalizados. Eles também encontraram um conjunto robusto de genes ligados às variedades dominantes em THC — uma descoberta que pode ajudar a diversificar o uso medicinal da planta.

À medida que o mercado global de cannabis evolui, os desafios também crescem. A preservação da diversidade genética da planta, essencial para seu potencial terapêutico, depende de políticas públicas mais conscientes, pesquisa científica robusta e do reconhecimento do conhecimento ancestral e empírico dos cultivadores.

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