Em decisão inédita com forte repercussão no cenário da cannabis medicinal no Brasil, o desembargador José Lunardelli, da 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), concedeu liminar garantindo o direito de um paciente ao cultivo doméstico de cannabis sativa para uso exclusivamente terapêutico.
A medida, que tem efeito de salvo-conduto, impede que o paciente seja alvo de ações policiais ou tenha suas plantas, sementes e extratos de cannabis apreendidos — desde que a produção seja voltada exclusivamente à fabricação do óleo utilizado no próprio tratamento de saúde.
O paciente, que vive em Campinas (SP), foi diagnosticado com lombalgia crônica, dores intensas e transtorno de ansiedade generalizada. Ele relatou à Justiça que obteve expressiva melhora na qualidade de vida com o uso do óleo artesanal de cannabis, especialmente na redução dos episódios de dor e ansiedade.
Nos autos, foram apresentados documentos que comprovam o acompanhamento médico, autorização da Anvisa para importação de medicamentos à base de cannabis e um laudo técnico que define a quantidade mínima de plantas necessária para manter o tratamento contínuo.
De acordo com o relatório clínico, o paciente não possui condições financeiras de seguir com a importação regular de produtos industrializados, o que torna o autocultivo uma alternativa viável e essencial para sua saúde.
Em primeira instância, a juíza Valdirene Ribeiro de Souza Falcão, da 9ª Vara Federal de Campinas, havia negado o habeas corpus, argumentando que o cultivo doméstico não é previsto na legislação atual, sendo competência exclusiva da União autorizar esse tipo de prática sob fiscalização rígida. Ela ainda pontuou que o plantio poderia representar risco à segurança pública e não estaria contemplado pelas discussões do STF sobre o porte para uso pessoal.
O paciente recorreu, e o desembargador Lunardelli foi categórico ao destacar que a ausência de regulamentação específica sobre o cultivo medicinal de cannabis não pode suprimir o direito constitucional à saúde.
Segundo o magistrado, ficou evidente que a conduta do paciente é voltada ao bem-estar pessoal, sem qualquer indício de desvio para uso recreativo ou comercialização. Ele autorizou o cultivo de até 34 plantas de cannabis por semestre e a importação de até 81 sementes por ano, respeitando a prescrição médica e enquanto durar o tratamento.
Fiscalização sim, criminalização não
A decisão também permite o transporte das plantas e flores para fins laboratoriais, como forma de controlar a dosagem e concentração de canabinoides, garantindo segurança e eficácia ao tratamento.
O desembargador reforçou, por fim, que o salvo-conduto não elimina o papel fiscalizador das autoridades, que seguem autorizadas a verificar se a atividade continua restrita ao uso medicinal. No entanto, qualquer tentativa de criminalização fica afastada, desde que o cultivo permaneça dentro dos limites definidos pela liminar.