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STJ discute em audiência importação e plantio de cânhamo

by Redação

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) promoveu uma audiência pública que reuniu representantes de órgãos públicos e entidades privadas para discutir a possibilidade de importação de sementes e plantio de variedades de Cannabis sativa com baixo teor de Tetrahidrocanabinol (THC) para a produção de medicamentos e outros subprodutos com fins exclusivamente medicinais, farmacêuticos ou industriais.

O tema é objeto do Incidente de Assunção de Competência 16 (IAC 16), instaurado em 7 de março de 2023 na Primeira Seção, que tem como relatora a ministra Regina Helena Costa.

Segundo a ministra, a convocação da audiência pública se deve à relevância jurídica, econômica e social da matéria e tem o objetivo de subsidiar os membros da Primeira Seção com informações técnicas e científicas para o julgamento do IAC.

A relatora informou que, no total, foram recebidos 55 pedidos de pessoas e instituições interessadas em participar da audiência, sendo 48 favoráveis à autorização para importação e cultivo das variedades de cannabis com baixo teor de THC, e sete defensoras da tese de que não há amparo técnico ou científico para tal medida. Foram selecionados 24 expositores – os sete contrários e os demais favoráveis.

Também acompanharam a audiência presencialmente os ministros Herman Benjamin e Rogerio Schietti Cruz.

Desconhecimento e necessidade de legislação específica

Primeiro a falar no painel 1, o representante da empresa DNA Soluções em Biotecnologia Eireli, Arthur Ferrari Arsuffi, recorrente no IAC, destacou que esse tema enfrenta muita resistência em razão do desconhecimento e do preconceito. “O IAC trata da possibilidade de importação de sementes e de plantio de cânhamo industrial, que é uma variante da cannabis, mas que, diferentemente da planta usada como droga, somente tem potencial para uso farmacêutico, medicinal e industrial. Não se discute aqui a descriminalização das drogas”, ponderou.

De acordo com ele, esses medicamentos têm se mostrado muito eficazes para o tratamento de várias doenças. Porém, o representante da empresa observou que, por conta da restrição regulatória, toda a matéria-prima precisa ser importada.

“É um protecionismo às avessas: podemos produzir os medicamentos aqui, mas temos que importar a matéria-prima. Quem se beneficia com isso? Não é o cidadão brasileiro, cujos produtos acabam encarecendo”, questionou. Na sua avaliação, o cultivo das sementes no país vai gerar redução de custos para a população e para o próprio Estado, pois o Sistema Único de Saúde (SUS) fornece esses medicamentos em algumas situações.

Renata de Morais Souza, especialista da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), fez um apanhado da legislação sobre o assunto, abordando as convenções das Nações Unidas de 1961 e de 1971, ratificadas pelo Brasil, que estabeleceram a proibição do uso da cannabis, exceto para fins médicos e científicos, e lembrou que a Lei de Drogas (Lei 11.343/2006) também permite o plantio para uso medicinal ou científico.

Também em nome da Anvisa, o gerente de medicamentos João Paulo Silvério Perfeito afirmou que é preciso mostrar que o uso medicinal e científico da cannabis é seguro, eficaz e de qualidade. “Hoje, há uma variedade enorme de produtos com composições diversas, usadas em apresentações diversas, para finalidade diversas, que nos coloca em uma posição desafiadora sobre as necessidades específicas de cada produto”, ressaltou.

Bruno César Gonçalves da Silva, representante do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça e Segurança Pública, afirmou que esse tema está dentro de uma questão mais ampla, que é a política de drogas. Segundo ele, há um grupo de trabalho no conselho que aborda especificamente a questão da cannabis medicinal, em especial diante de casos de pessoas que enfrentam acusações criminais por cultivar a planta para fins medicinais.

“Há pessoas que possuem autorização para importar, mas não têm condições financeiras para isso nem conseguem pelo poder público o medicamento a tempo, e buscam a alternativa de cultivar, mas sofrem o risco de serem enquadradas na Lei de Drogas”, comentou. Para ele, é fundamental uma disposição normativa para o Poder Judiciário lidar com essas situações, e o órgão é favorável à regulamentação da matéria. “É um caso de saúde, e não de polícia. Temos que tirar essa situação do âmbito penal”, concluiu.  

Fiscalização da entrada de sementes e uso do óleo no tratamento de doenças

Eduardo Porto Magalhães, do Ministério da Agricultura e Pecuária, lembrou que a pasta é responsável pela fiscalização de qualquer importação de material vegetal, incluindo sementes, cujo intuito é impedir a propagação de doenças e pragas. Segundo informou, atualmente não existe nenhum requisito para a importação das sementes de Cannabis sativa, o que configura a proibição de sua entrada no país. Ele afirmou que o ministério estuda os riscos relacionados a essas sementes, já tendo sido identificadas algumas pragas danosas para a agricultura nacional.

Além dessas questões, a auditora fiscal federal Izabela Mendes Carvalho ressaltou que a responsabilidade do ministério está relacionada à regulamentação dos produtos de origem vegetal, de todas as espécies, não sendo competente para regulamentar formas específicas. Desse modo, afirmou que, uma vez autorizada a importação de sementes da cannabis pelos órgãos competentes, os procedimentos do ministério serão os mesmos utilizados para qualquer outra importação.

Cláudia Marin, representante da Associação Canábica em Defesa da Vida, fez um relato emocionado sobre a condição do filho, que tem epilepsia de difícil controle. Ele foi o primeiro paciente de Marília (SP) a usar cannabis medicinal. Segundo ela, o filho chegava a ter 80 convulsões por dia, e reduziu esse número para 50 após o uso do óleo de canabidiol (CBD). Porém, só depois da administração do óleo de espectro amplo produzido por terapeuta é que as crises convulsivas cessaram, em quatro dias.

“A maconha medicinal fez diferença na vida do meu filho, mas poderia ter feito antes. Maconha é remédio que salva vidas”, declarou. Ela questionou a política de drogas por comprometer o tratamento de muitos pacientes, cujas famílias dependem desses medicamentos para ter qualidade de vida.

Possíveis impactos da regulamentação do cultivo de cannabis

Presidindo o segundo painel da manhã, o ministro Rogerio Schietti Cruz ressaltou a importância de debater o tema com olhar cuidadoso, sem nenhum tipo de preconceito e pautado na ciência.

“Já passou do tempo de deixarmos de tratar o assunto como política criminal; devemos tratá-lo como uma política de saúde pública. Não é mais possível ver tantos brasileiros sendo perseguidos criminalmente por estarem cuidando de sua saúde”, asseverou Schietti.

Os representantes da Associação Brasileira de Estudos da Cannabis Sativa abriram as exposições do painel 2. A psiquiatra e diretora-geral da organização, Eliane Lima Guerra Nunes, destacou a necessidade de regulamentação da cannabis para prescrição de seu amplo espectro de componentes. “Não podemos ser punidos por falar da importância de substâncias proscritas para realizar nosso trabalho”, afirmou. Konstantin Gerber, doutor em direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), defendeu que as associações tenham uma regulamentação distinta daquela exigida para empresas.

Para o vice-presidente da Comissão Especial de Direito da Cannabis Medicinal do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Rodrigo Melo Mesquita, o tema merece uma solução definitiva e informada para suprimir a atual omissão regulatória. “A regulação de mercados não serve para satisfazer interesses ideológicos ou puramente morais”, disse ele.

Representando o Grupo de Atuação Estratégica das Defensorias Públicas Estaduais e Distrital nos Tribunais Superiores (GAETS), as defensoras públicas Anelyse Santos de Freitas e Patrícia Landim Salha apresentaram as dificuldades que os assistidos das defensorias experimentam para ter acesso ao medicamento canábico. “Regulamentar os critérios técnicos para o cultivo das variedades de cannabis contribuiria para a diminuição do custo do canabidiol não apenas para o consumidor, mas também para o SUS”, avaliou.

André Estevão Ubaldino, procurador do Ministério Público de Minas Gerais e professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), destacou a necessidade da ponderação, sob uma perspectiva não preconceituosa, a respeito dos efeitos danosos e efeitos benéficos da planta: “Devemos ter cuidado para que o remédio não se converta em veneno”.

O diretor jurídico do Instituto de Pesquisas Sociais e Econômicas da Cannabis, Pedro Gabriel Lopes, deu contribuições sob a perspectiva do controle internacional de drogas. Segundo o pesquisador, as convenções internacionais não estabelecem restrições sobre sementes e folhas, o que facilitaria a regulamentação para o cultivo no Brasil. “Qualquer tipo de decisão a ser tomada a respeito do tema será estritamente baseada em parâmetros nacionais”, defendeu.

A audiência pública continuou durante a tarde com três outros painéis expositivos um deles do deputado federal Osmar Terra (MDB-RS), que proferiu absurdos sobre a cannabis, como o THC ser carcinógeno e que a legalização irá contribuir para o aumento da criminalidade.

Assista a audiência ralizada no STJ:

Fonte: STJ
Foto: Gustavo Lima/STJ

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