A regulamentação da Política Estadual de Fornecimento Gratuito de Medicamentos à Base de Cannabis Medicinal, publicada pelo Governo de Santa Catarina, gerou forte reação de associações, especialistas e parlamentares. O decreto que regulamenta a lei aprovada na Assembleia Legislativa (Alesc) restringe o fornecimento dos produtos exclusivamente a laboratórios autorizados pela Anvisa, deixando de fora instituições brasileiras que atuam com autorização judicial — entre elas, associações sem fins lucrativos que há anos garantem o acesso de milhares de pacientes à cannabis medicinal.
A mudança no texto original da lei, de autoria da deputada Paulinha (PODEMOS), foi classificada como um “retrocesso grave” pela Santa Cannabis, uma das maiores associações de pacientes do país, com mais de três mil usuários ativos. Para o presidente da entidade, Pedro Sabaciauskis, a decisão do Executivo catarinense representa um desmonte da proposta construída de forma coletiva.
“A versão original da lei tinha potencial para transformar Santa Catarina em referência nacional. Ao excluir as associações, o governo ignora quem, de fato, sustenta o acesso real à cannabis medicinal no Brasil. Essa medida não só encarece o custo para o estado em até 60%, como enfraquece a economia local, inviabiliza empregos e compromete a transparência do processo de aquisição”, afirmou Sabaciauskis.
Segundo ele, ao privilegiar apenas produtos importados, o governo ignora que as associações nacionais seguem protocolos rigorosos de produção, com rastreabilidade, controle de qualidade e laudos certificados. A decisão, afirma a entidade, compromete o tratamento de centenas de pacientes que já recebem os produtos por meio dessas instituições e que, agora, podem ficar desassistidos.
A Secretaria de Estado da Saúde defende a medida, afirmando que a exigência de registro na Anvisa é necessária “para garantir a segurança e eficácia dos produtos fornecidos à população”. No entanto, a própria agência reguladora ainda não reconhece formalmente as associações como entes autorizados, apesar de diversos precedentes judiciais garantirem o funcionamento dessas organizações com base no direito à saúde.
Reação política
Na Alesc, parlamentares se mobilizam para tentar reverter o decreto. O deputado Padre Pedro (PT) anunciou a apresentação de um Projeto de Sustação de Ato (PSA), instrumento legal que visa barrar medidas do Executivo consideradas inconstitucionais ou que extrapolem o que foi aprovado na lei original. Segundo ele, o decreto “vai além do texto legal sancionado em 2024 ao impor exigências não previstas pela Assembleia”.
O cenário reacende o debate sobre a regulação da cannabis medicinal no Brasil, onde o acesso ainda depende de decisões judiciais, altos custos de importação ou parcerias com associações. Apesar do avanço legislativo em diversos estados, entraves burocráticos e políticos continuam a impedir a consolidação de políticas públicas amplas e inclusivas.
A Santa Cannabis, por sua vez, promete seguir pressionando o governo e não descarta judicializar o caso. “Já vencemos outras batalhas na Justiça com base na Constituição. Não estamos falando de mercado, estamos falando de vidas”, afirmou Sabaciauskis.