Pesquisadores da Suíça e da Alemanha identificam dezenas de moléculas nunca antes descritas em flores secas de maconha, reforçando o papel do aroma na escolha dos consumidores e derrubando visões simplistas sobre a planta
Pesquisadores da Universidade de Ciências Aplicadas de Zurique e da Universidade Técnica de Munique publicaram, em setembro, o primeiro estudo sensorial abrangente sobre os compostos que dão cheiro às flores secas de cannabis. A pesquisa, divulgada no Journal of Agricultural and Food Chemistry, revelou dezenas de substâncias até então desconhecidas, desafiando a ideia de que o aroma da planta se explica apenas pelos terpenos, CBD ou THC.
Os cientistas utilizaram ferramentas comuns na indústria de alimentos, mas pouco exploradas em pesquisas com maconha: cromatografia gasosa-olfatometria combinada com análise de diluição de extratos aromáticos. A metodologia mostrou que apenas uma pequena fração dos compostos voláteis influencia o cheiro final da planta. No total, foram identificados 52 compostos ativos de odor, sendo 38 inéditos em flores secas de cannabis e seis nunca antes detectados em qualquer material derivado da planta.
A investigação trouxe detalhes curiosos sobre como percebemos o cheiro da maconha. O aroma de suor, por exemplo, está ligado a ácidos como o butanoico e o hexanoico; o cheiro de pipoca vem do 2-acetilpirazina; o de pimentão verde é causado pelo 3-isobutil-2-metoxipirazina; já notas doces, lembrando aveia, derivam do nona-2,4,6-trienal. Foram identificados ainda odores frutados, florais, cítricos, de pinho, cogumelo, cravo e lúpulo, mostrando a diversidade sensorial da planta.
Além de compostos já conhecidos, moléculas sulfuradas altamente potentes foram detectadas em flores secas pela primeira vez. Essas descobertas reforçam que o processo de secagem e cura da cannabis não apenas preserva, mas pode gerar novos componentes aromáticos, resultado de transformações químicas ainda pouco exploradas.
O estudo também tem implicações diretas para o mercado legal de cannabis. Se no vinho ou no café são os aromas que guiam consumidores e produtores, na maconha a lógica não é diferente: o cheiro costuma ser o principal fator de escolha, até mais relevante do que os níveis de THC ou CBD. Para os pesquisadores, entender a complexidade aromática da planta pode impulsionar programas de melhoramento genético capazes de otimizar a produção de compostos desejáveis, alinhando cultivo e preferências de consumo.
Num contexto em que a proibição historicamente reduziu a cannabis a estereótipos simplistas — “droga perigosa” ou “planta recreativa” —, a ciência mostra que a planta é muito mais complexa e culturalmente rica. Estudos como este não apenas derrubam preconceitos, mas também fortalecem a compreensão da maconha como patrimônio botânico, científico e econômico.
