Prisões, detenções e destruição de plantações de cannabis ameaçam o tratamento de milhares de pacientes
Em um cenário onde inexiste uma regulamentação para o plantio medicinal da cannabis e as ações judiciais para autorização estão paralisadas, as associações de pacientes que promovem o tratamento com cannabis medicinal no Brasil se veem forçadas a atuar em desobediência civil para garantir o tratamento de mais de 114 mil pessoas. Essas entidades, que atendem quase um terço das pessoas que fazem tratamentos com cannabis no Brasil, desempenham um papel fundamental na democratização do acesso, oferecendo uma alternativa mais barata e acessível que as farmácias e importações.
Muitas oferecem medicamentos de forma gratuita a quem não tem condições de pagar. Apesar disso, essas instituições enfrentam desafios significativos, incluindo operações policiais, prisões e destruição de suas plantações e óleos já produzidos. “Além de democratizar o acesso à cannabis de forma descomplicada, elas desempenham um papel importante na quebra de preconceitos, ajudando a desmistificar a planta e a promover seu uso terapêutico”, comenta o advogado especialista em Direito Canábico, Ladislau Porto, que conquistou as primeiras autorizações de plantio para as associações brasileiras.
Cenário de incertezas
Pouco mais de 10% das associações ativas no Brasil têm autorização legal para operar. A maior parte delas está com ações judiciais suspensas por causa de decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), pela admissão de um Incidente de Assunção de Competência (IAC) sobre o pedido de uma empresa de biotecnologia. O efeito colateral desse processo foi a paralisação nacional de todas os processos relacionados à autorização para cultivo de cannabis para fins medicinais.
Denise de Mello Fogel Soares, presidente da Acolher Macaé, criou a entidade motivada pelo tratamento da filha Gabriela e com a missão de ajudar outros pais. Hoje, ajuda milhares de famílias brasileiras a terem acesso a um tratamento que ainda é muito caro no Brasil. “Todos nós que estamos atuando nas associações nos arriscamos para ajudar a salvar milhares de vidas que estão em sofrimento. As associações desempenham um papel de extrema importância no tratamento de várias patologias, como epilepsia, fibromialgia, Parkinson, Alzheimer, câncer e autismo. Tirar a medicação dessas pessoas representa um risco para a vida de todas delas”, afirma.
Prisões e destruição
Em julho, o Instituto CuraPRO, de Jundiaí, foi alvo de uma operação policial que resultou na prisão do presidente e na detenção de outros funcionários. A instituição atende 2 mil pacientes e tem uma ação judicial pleiteando autorização de plantio em andamento. “Enquanto o plantio não for regulamentado e as autorizações dependerem de ações judiciais, as associações estarão sujeitas a arbitrariedades da polícia, que destrói plantas de forma desnecessária, causando risco de desabastecimento a milhares de pacientes”, comenta Porto.
Também recentemente, o presidente da Associação Alternativa, que atende 15 mil pacientes, foi alvo de uma busca e apreensão e enfrenta um inquérito policial por tráfico de drogas devido ao envio de óleo de CBD a pacientes de todo o Brasil. Os dois casos são exemplos recentes de perseguição às associações de pacientes. “As duas entidades têm ações na Justiça, mas elas estão paradas, criando uma insegurança jurídica sem precedentes “, explica Porto.
Danos à saúde
Interromper o fornecimento de medicamentos por essas associações não apenas priva os pacientes de seu direito à saúde e à dignidade, mas agrava significativamente seus quadros clínicos, causando dor e sofrimento. “A vida das pessoas não pode esperar. Há um descompasso enorme entre os avanços científicos, o uso medicinal da cannabis e a legislação brasileira. O resultado é um risco para todas as associações brasileiras”, comenta Sandro Pozza, presidente da Associação Alternativa.
Essas instituições são essenciais para garantir o acesso ao tratamento com cannabis medicinal no Brasil e têm impacto importante na redução da judicialização. “A falta de regulamentação, o preconceito e o atraso que o estigma com a planta traz deixam pacientes desassistidos e ferem o direito à saúde. É urgente que as autoridades reconheçam a importância dessas associações e trabalhem para garantir que aquelas que atendam a todos os requisitos impostos pela Anvisa tenham autorização para operar, não podemos deixar a produção do óleo de CBD apenas nas mãos das grandes empresas que só visam lucro. A saúde é um direito de todos”, completa Ladislau Porto.