Dois projetos de lei em tramitação na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) tentam restringir a liberdade de expressão ao proporem a proibição de manifestações que, segundo seus autores, fariam “apologia” às drogas. Na prática, as propostas miram diretamente a Marcha da Maconha, um ato pacífico que acontece anualmente em diversas cidades do Brasil para reivindicar a legalização da cannabis.
O projeto mais recente, apresentado na sexta-feira (24) pelo deputado distrital Pastor Daniel de Castro (PP), prevê multa de até R$ 150 mil para organizadores de manifestações que tratem da legalização da cannabis ou de mudanças na política de drogas. Em caso de reincidência, o valor dobraria. Segundo o parlamentar, eventos como a Marcha da Maconha “violam o Código Penal e a Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006)”.
No entanto, especialistas ressaltam que a manifestação não configura crime e está amparada pela Constituição Federal, que garante o direito à liberdade de expressão e de reunião. O próprio Supremo Tribunal Federal (STF), em 2011, decidiu que a Marcha da Maconha é uma forma legítima de manifestação política e não pode ser proibida.
A ofensiva proibicionista na CLDF, no entanto, não é nova. Outro projeto semelhante, apresentado em outubro de 2023 pelo deputado Roosevelt (PL), já previa multa de até R$ 40 mil para manifestações que abordassem a legalização da cannabis. O texto está atualmente na Comissão de Assuntos Sociais (CAS). Roosevelt celebrou o novo PL como um reforço à sua proposta e repetiu um argumento já superado no debate jurídico: “O uso da maconha não está criminalizado, mas o comércio sim. Como essa pessoa adquiriu? Só através do comércio. O traficante é criminoso, mas quem usa não é? Precisamos coibir isso na nossa cidade”.
A fala ignora o fato de que o STF está prestes a concluir um julgamento que pode descriminalizar o porte de maconha para uso pessoal em todo o país, além de que há milhares de brasileiros autorizados pela Justiça a cultivar cannabis para fins medicinais.
As propostas da CLDF escancaram o descompasso entre o Legislativo local e as discussões globais sobre a regulação da cannabis. Enquanto países como Alemanha, Estados Unidos e Canadá avançam em políticas de descriminalização e regulação do mercado, parlamentares do DF insistem em medidas que flertam com a censura e o retrocesso.
O cerco à Marcha da Maconha já foi tentado diversas vezes no Brasil, sempre sem sucesso. A criminalização do debate sobre drogas, além de inconstitucional, não contribui para reduzir os danos causados pela política proibicionista, que historicamente serviu como ferramenta para o encarceramento em massa e a criminalização da juventude periférica.
Caso avancem na CLDF, os projetos deverão enfrentar forte resistência jurídica e social, já que buscam transformar em crime um direito garantido pela Constituição. A Marcha da Maconha, por sua vez, segue crescendo no Brasil e no mundo, mostrando que o debate sobre a cannabis está longe de ser silenciado, apesar das tentativas de censura.