Embora venha da mesma origem, o uso medicinal da cannabis exige controle, ciência e personalização para garantir segurança e eficácia nos tratamentos
A cannabis tem ocupado cada vez mais espaço nos debates sobre saúde e bem-estar no Brasil, principalmente com o avanço das evidências científicas em torno do uso medicinal da planta. No entanto, uma dúvida ainda é recorrente entre o público em geral: qual é, afinal, a diferença entre a cannabis medicinal e a cannabis recreativa, se ambas derivam da mesma planta?
A resposta passa por questões técnicas, científicas e até culturais. Embora compartilhem a mesma origem botânica, os usos são distintos – principalmente pela forma como os compostos canabinoides são manipulados, administrados e acompanhados por profissionais da saúde.
No contexto terapêutico, a cannabis é utilizada para tratar condições específicas como ansiedade, dor crônica, epilepsia, entre outras. O tratamento é baseado em uma ciência em evolução: a dos canabinoides, compostos naturais presentes na planta. Entre os mais conhecidos estão o THC (tetra-hidrocanabinol) e o CBD (canabidiol), cada um com propriedades e efeitos distintos no organismo.
Uma das estratégias mais importantes na medicina canabinoide é o chamado efeito entourage – ou efeito comitiva – que se refere à sinergia entre os diversos canabinoides e terpenos da planta, capaz de potencializar os efeitos terapêuticos e reduzir efeitos colaterais. É o caso, por exemplo, de pacientes que convivem com dor e ansiedade ao mesmo tempo: o THC pode aliviar a dor, mas também aumentar os níveis de ansiedade. Com o uso conjunto de CBD, esse efeito adverso pode ser amenizado.
“Quando você utiliza a planta de forma medicinal, é essencial conhecer cada canabinoide e entender como aplicar a forma personalizada para o paciente. Isso permite usar a planta em sua potência máxima, garantindo que o tratamento seja seguro e eficaz”.
A fala da especialista Maria Klien reforça a importância do acompanhamento profissional em tratamentos com cannabis. Segundo ela, personalizar a dosagem e a combinação de compostos é um dos grandes desafios da medicina canabinoide.
“Quando os canabinóides são bem associados nessa alquimia, potencializando o efeito individual de cada um, existe uma grande margem de acerto no tratamento”.
Uso recreativo também pode esconder uma busca por alívio terapêutico
Apesar das diferenças, muitos usuários que recorrem à cannabis de maneira informal ou recreativa estão, na prática, tentando tratar sintomas de forma intuitiva. Insônia, falta de apetite, dificuldade de concentração e até depressão são alguns exemplos de que o uso, embora não orientado por profissionais, carrega uma intenção terapêutica.
“É importante considerar o contexto de uso da cannabis. Muitas pessoas que a usam recreativamente buscam, na verdade, alívio para sintomas. Quando alguém diz que precisa fumar para dormir, para comer, para trabalhar, essa pessoa já utiliza a planta medicinalmente, buscando seus benefícios terapêuticos. A diferença é que o faz sem acompanhamento, de forma recreativa, e não com a orientação necessária para um tratamento seguro e eficaz. Por isso, a avaliação profissional é fundamental para definir a melhor abordagem terapêutica”.
O tratamento com cannabis medicinal não é uma fórmula única. Cada paciente reage de forma diferente aos compostos, exigindo ajustes na dosagem, na composição e até na forma de administração – óleos, cápsulas, vaporizadores, pomadas.
Para Maria Klien, o sucesso da terapia com cannabis está diretamente ligado à capacitação dos profissionais e ao acesso da população a produtos de qualidade, com rastreabilidade e controle.
“O tratamento com cannabis medicinal requer a orientação de um especialista para que o uso seja feito de maneira segura e na potência adequada, de forma mais eficiente e inteligente”, conclui.