A legalização da cannabis está no centro dos debates políticos na Alemanha. No contrato de coalizão governamental dos partidos Social-Democrata (SPD), Verde e Liberal Democrático (FDP) consta, claramente: “Introduziremos a distribuição controlada de cannabis a adultos para fins recreativos em estabelecimentos licenciados”.
Para traduzir essas palavras secas em política prática, contudo, é preciso saltar numerosos obstáculos. Sob a liderança do Ministério da Saúde, a questão envolve praticamente todas as pastas do governo federal, exceto a da Defesa, como explica o encarregado federal para questões de dependência e drogas, Burkhard Blienert: “Passa pela agricultura, proteção de menores, polícia, e não para nos aspectos tributários, nem de longe.” A inclusão de tantas instâncias torna complexo o processo legislativo: “Justamente, não é uma lei de uma única casa, mas diversos pontos precisam ser harmonizados entre si. A meta é uma construção coerente, garantindo a proteção da saúde e dos menores de idade.”
Arrecadação
O cientista econômico Julius Haucap calcula que haja na Alemanha 4 milhões de consumidores de cannabis, a maioria apenas ocasional. “Tentamos calcular o que isso representa em termos de quantidade: partimos de um valor de mercado de 400 toneladas, o que circula entre 4 e 5 bilhões de euros.” Somando as arrecadações de impostos e custos sociais, assim como a economia de recursos na polícia e Justiça, Haucap chegou a quase 5 bilhões de euros por ano, num parecer elaborado no terceiro trimestre de 2021 e apresentado numa conferência de especialistas, em meados de 2022.
Durante cinco dias, ele se reuniu com cerca de 200 especialistas alemães e estrangeiros, além de representantes de diversas organizações, desde o setor de saúde ao Departamento Criminal Alfandegário, passando pela Associação Alemã do Cânhamo (DHV). Entre os presentes esteve Dirk Heitepriem, vice-presidente da Federação do Setor Econômico da Cânabis (BvCW). “O mais surpreendente para mim foi que ninguém discutiu mais sobre o ‘se’, mas só sobre o ‘como’.” Segundo ele, o intercâmbio entre os grupos que têm interesses totalmente diversos” foi marcado por abertura, coleguismo e construtividade.
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Prazos
O processo de consultação foi também um sinal de partida para a liberalização concreta da maconha na Alemanha, seguindo um roteiro tão ambicioso quanto de final aberto, explica Heitepriem. “O combinado é que no terceiro trimestre o governo federal aprovará pontos básicos, sobre cuja base se elabora um projeto de lei. Este irá então para o parlamento. Parto do princípio que os debates serão no ano que vem. Quando a lei será aprovada e quando entra em vigor, está nas mãos do parlamento.”
Descriminalização já?
Tais debates já tiveram efeito no Órgão Internacional de Controle de Entorpecentes (OICE) das Nações Unidas, o qual esclareceu recentemente que “medidas para descriminalização do consumo pessoal e posse de pequenas quantidades de drogas não infringem as determinações das convenções sobre drogas da ONU”. Ao mesmo tempo, o painel constata que a legalização de toda a cadeia de fornecimento, do cultivo até o consumidor, passando pelo comércio, extrapola o quadro das convenções.
Ainda assim, o Uruguai e o Canadá já legalizaram o comércio e distribuição da cannabis, assim como 21 estados americanos, portanto na contramão das regras internacionais, mas sem que tenha havido consequências. Haucap diagnostica um forte movimento internacional pela legalização da erva, e como a Alemanha é o país mais populoso da Europa, seus vizinhos acompanham com grande interesse o que lá acontece. “Se a Alemanha criar um mercado legal para a cannabis, na minha opinião isso emitirá um sinal muito positivo”, avalia o economista.
Contudo, apesar de todos os sinais no sentido da legalização, a cada três minutos um consumidor de maconha cai nas malhas da polícia e da Justiça alemãs, ainda comprometidas com a velha legislação nacional sobre entorpecentes. E como pode demorar anos até lojas autorizadas poderem apresentar a erva em suas prateleiras, ativistas exigem, como primeiro passo, a descriminalização imediata do consumo, como permitem as convenções da ONU. Sedimentando essa exigência, a estatística mais recente do Departamento Criminal Federal mostra que apenas um entre seis casos ligados à cannabis tem a ver com o comércio da droga: são menos de 30 mil, contra 190 mil “delitos ligados ao consumo”. Portanto, em vez de prender os grandes peixes do tráfico, as redes da proibição pegam os pobres maconheiros.
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