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4000 anos em 24 horas

by Redação

Se considerarmos a história de uso medicinal da Cannabis, desde a primeira descrição na farmacopeia Pen Tsau, que data de 2737 aC, até os dias atuais e colocássemos toda essa escala de tempo dentro de 24h, sendo o primeiro relato ocorrido exatamente às 00:00h de período, teríamos que Jesus nasceu as 13:48h, a chegada dos portugueses ao Brasil as 21:21h e a nomeação botânica da planta como Cannabis sativa L., realizada por Carl Linnaeus em 1753, ocorrerá apenas as 22:38h desse período de 24h.

O trabalho de William O’Shaughnessy publicado no ano de 1840 foi fundamental para o reconhecimento moderno as propriedades terapêuticas da planta, fazendo com que 10 anos depois a Cannabis entrasse oficialmente para farmacopeia americana. Até então nada se conhecia sobre seus componentes químicos, sua aplicação ocorria de forma empírica e experimental.

Em nossa contagem de 24h, seu livro foi publicado às 23:04h. Apenas no ano de 1896 foi isolado o primeiro canabinoide. A maneira como os pesquisadores trataram o extrato da planta promoveu a oxidação dos compostos e foi obtido uma forma estabilizada do que hoje conhecemos como canabinol (CBN), produto de oxidação do THC. Dentro da nossa escala de tempo já corresponde as 23:21h.

Durante o século XX muita coisa mudou, a planta medicinal passou a ser proibida na maior parte do mundo, ainda que não se conhecesse exatamente seus princípios ativos. Ás 23:41h a Convenção da ONU de 1961 incluiu erroneamente a Cannabis na lista de plantas narcóticas, pouco tempo antes da publicação do trabalho do grupo de pesquisa de Raphael Mechoulam elucidar e apresentar ao mundo a estrutura definitiva dos principais canabinoides, dentre eles o delta-9 tetrahidrocanabinol (Δ9-THC) e o canabidiol (CBD), nesse momento nosso relógio marcaria 23:42h.

A elucidação do Sistema Endocanabinoides ocorreu em 1992, quando Lamir Hanus e Willian Devane descobriram a anandamida, o principal endocanabinoide com afinidade pelo receptor CB1, o qual havia sido descoberto quatro anos antes. A essa altura, nosso relógio marca as 23:50h. A partir desse ponto era possível compreender minimamente o mecanismo de ação dos principais canabinoides, o que estimulou diversas pesquisas que culminaram em incríveis descobertas que criaram a base da medicina canabinoide da maneira como a conhecemos hoje. Todos esses avanços foram feitos nos últimos 10 minutos dessas nossas 24h.

Essa analogia auxilia a compreender que quando falamos de uso medicinal da Cannabis estamos em um processo de descobertas e expansão do conhecimento, muita informação está sendo descoberta e compartilhada de forma rápida e intensa. Uma das certezas que podemos tirar é que a planta ao longo de mais de 4000 anos se demonstrou segura e eficaz em diversos usos, dentre eles o medicinal, industrial, espiritual e alimentício. Mesmo que muitos tenham buscados pelo uso de doses consideradas exageradas para um uso racional, nenhuma pessoa foi a óbito por isso.

O que devemos esperar do futuro com novos produtos e novas moléculas criadas dentro de laboratórios, com objetivos que muitas vezes visam encontrar uma brecha na legislação e o lucro no mercado? Essa é a pergunta que faço quando me apresentam reportagens ou produtos contendo substâncias que possuem muita semelhança com os fito canabinoides, mas que foram criadas pelo ser humano e que antes não existiam na natureza.

Exemplos disso temos produtos com hexahidrocanabinol (HHC), O-acetil THC (THCO), THC-jd e outros que são facilmente encontrados em páginas da internet (Isso não tem nada a ver com a classe dos canabinoides sintéticos, como K2 ou K9, assunto que ficará para a próxima). Esses produtos produzem efeitos semelhantes ao natural, mas não sabemos sobre sua real segurança. Moléculas novas, ainda que sejam sintetizadas a partir de outras naturais, devem ser submetidas a extensos testes pré-clínicos e clínicos para atestar a sua segurança e eficácia, mas isso não vem sendo necessariamente feito com esses novos compostos que falamos.

Eu, como químico de formação, não tenho nenhum problema com compostos sintéticos e sei da importância desses para o aumento da qualidade de vida de nossa sociedade, mas sei também que efeitos imprevisíveis podem surgir com pequenas modificações nas moléculas e na sua forma de ação. Vamos com cuidado! Independentemente do que vier para o futuro, devemos valorizar o natural que garantirá bons efeitos nos próximos 4000 mil anos.

*Fabiano Soares é Bacharel e Mestre em Química pela UFPR, com especialidade em análise de canabinoides. Pesquisador e consultor técnico em Cannabis Medicinal e Redução de Danos. Fundador do Laboratório REAJA soluções colorimétricas

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