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Afinal, o que é delta 8 THC?

by redacao

Quando falamos em tetraidrocanabinol (THC), normalmente nos referimos ao delta-9 THC, metabólito secundário e principal ativo psicotrópico da planta de Cannabis. Os efeitos colaterais do consumo em altas doses de THC são conhecidos há muito tempo e isso motivou as principais pesquisas relacionadas com a planta e seu mecanismo de ação.

Nos últimos anos foi possível presenciar o surgimento de produtos novos e novas abordagens terapêuticas, isso é muito aplicado quando falamos de outros canabinoides que até então não recebiam muito de nossa atenção, esse é o caso do delta-8 THC, que hoje já encontrado na forma de óleos, cartuchos para vaporização e flores. Vamos entender um pouco mais sobre as principais propriedades e curiosidades sobre esse canabinoide minoritário que vem recebendo grande atenção por parte de produtores e consumidores.

A definição de Δ8 ou Δ9 faz referência a posição de uma ligação dupla presente na estrutura molecular, a exposição à radiação ultravioleta ou meios ácidos pode converter o Δ9-THC em Δ8-THC, promovendo uma sutil modificação em sua estrutura que afetará sua interação com os principais receptores canabinoides (CB1 e CB2).

O Delta-8 é encontrado naturalmente na planta devido a degradação do delta-9 THC. Assim, uma planta ou extrato que foi adequadamente armazenado tende a ter baixas concentrações de delta-8, mas quase sempre haverá uma mínima concentração,  em proporções que variam de 99.9 : 1 a 98 : 2 em relação à concentração de delta-9 THC. [i] Considerando essa relação temos que uma planta de 20% de THC deve conter menos de 0,4% em seu peso seco. Em uma produção de larga escala, a cada 50Kg de THC, seria possível obter até 1Kg de Δ8-THC puro.

A baixa concentração presente nas plantas e extratos naturais não favorecem a viabilidade econômica para produzir produtos de alta concentração de Δ8-THC, sairia muito caro estabelecer sistemas de purificação para obter esse canabinoide em escala industrial. Dessa maneira muitas empresas utilizam de técnicas laboratoriais para obter o Δ8-THC de maneira mais fácil a partir do CBD. Isso mesmo, é possível transformar o CBD em Δ8-THC de maneira relativamente simples para quem possui uma estrutura laboratorial.

O produto obtido no final tem estrutura idêntica ao natural e pode ser definido como um canabinoide semissintético, ou canabinoide obtido sinteticamente. Isso NÃO TEM NADA A VER com a classe dos canabinoides sintéticos, que vem tomando conta do noticiário como uma nova droga devastadora e que, de fato, é!

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Para uma síntese mais efetiva é preciso partir de CBD puro, aquele cristal branco com concentrações acima de 99% de pureza, assim o produto final será mais puro. O CBD é dissolvido em um solvente orgânico, como tolueno, e de forma cuidadosa adiciona-se uma quantidade catalítica de ácido para-tolueno sulfônico (PTSA).

A mistura deve ser mantida a temperatura ambiente sob agitação constante por até 3 dias.[ii] Ao entrar em contato com o PTSA o CBD sofrerá duas reações principais, a primeira de ciclização do anel que o transformará diretamente a Δ9-THC. A segunda reação ocorrerá de forma espontânea e deslocará a posição da dupla ligação para posição 8. Nessas condições o interesse é justamente que as duas reações ocorram, mas alterando as condições reacionais (solvente, temperatura, tempo e catalisador) é possível deslocar o resultado para obter Δ9-THC e outras variações desses.

Após o processo de síntese é preciso purificar o produto de interesse para remover resíduos de síntese e subprodutos, normalmente sendo aplicada a técnica de destilação de caminho curto, cromatografia, entre outras. Após purificado o Δ8-THC pode ser envasado em cartuchos, dissolvidos em óleo vegetal ou borrifados sobre flores de CBD para que a própria flor absorva o novo canabinoide em concentrações superiores às encontradas naturalmente.

Figura 1:Conversões de CBD com ácidos e as estruturas dos produtos. ii

Obter subprodutos indesejados é uma realidade quando falamos de síntese e aí está um ponto de atenção que devemos ter quando falamos de canabinoides obtidos sinteticamente. No caso da produção de Δ8-THC pode-se obter pequenas concentrações de Δ9-THC, Δ10-THC, Δ4(8)-iso-THC e Δ8-iso-THC. Se o processo de purificação não for realizado corretamente poderá haver resíduos indesejados que tem potencial para oferecer risco ao usuário. Além disso, o controle de qualidade deve ser mais rigoroso para avaliar não apenas os canabinoides naturais (fitocanabinoides), mas também os possíveis subprodutos.

O que é preciso destacar é que qualquer modificação na estrutura química, por mais simples que seja, altera a forma e intensidade com que esses ativos vão interagir com o sistema endocanabinoide. A ligação na posição 9 favorece a interação com o receptor CB1, enquanto a ligação na posição 8 favorece a interação com o receptor CB2 e diminui com o CB1. Isso justifica o porquê do Δ8-THC ser menos ativo e apresentar menos efeitos colaterais quando comparado a seu isômero Δ9-THC. Assim como outros canabinoides, o Δ8-THC pode atuar em outros receptores de maneiras que ainda não foram desvendadas.

Figura 2: Adaptado. Relação da afinidade dos principais canabinoides em relação aos receptores CB1 e CB2 (1/Ki).
Quanto maior a barra, maior a afinidade do canabinoide pelo receptor [iii]

Dada a similaridade com seu isômero mais conhecido, o Δ8-THC apresenta efeitos semelhantes ao Δ9-THC, mas em menor intensidade o que requer o uso de doses maiores, sendo relatado efeitos positivos no tratamento de insônia e dores. O fato do Δ8-THC ser menos ativo pode ter algumas vantagens como, por exemplo, apresentar efeitos terapêuticos semelhantes ao Δ9-THC, de uma maneira mais controlada, possibilitando um ajuste de dose mais fino, evitando efeitos colaterais indesejados.

Muito há que se estudar sobre as propriedades terapêuticas, pois até poucos anos atrás não havia produtos de alta concentração desse canabinoide disponíveis no mercado e temos poucas informações sobre seus efeitos, principalmente a longo prazo.


[i] Ayako Chan-Hosokawa; Emergence of Delta-8 Tetrahydrocannabinol in DUID Investigation Casework: Method Development, Validation and Application, Journal of Analytical Toxicology, Volume 46, Issue 1, January 2022, Pages 1–9,

[ii] Daniele Passarella, J. Nat. Prod. 2020, 83, 10, 2894–2901; Publication Date:September 29, 2020

[iii] Michael Tagen; REVIEW ARTICLEReview of delta-8-tetrahydrocannabinol (Δ8-THC):Comparative pharmacology withΔ9-THC; J Pharmacol.2022;179:3915–3933.

*Fabiano Soares é Bacharel e Mestre em Química pela UFPR, com especialidade em análise de canabinoides. Pesquisador e consultor técnico em Cannabis Medicinal e Redução de Danos. Fundador do Laboratório REAJA soluções colorimétricas