Psilocibina aliada à psicoterapia mostra resultados promissores no combate a transtornos por uso de substâncias, incluindo álcool, tabaco e até opioides.
Uma nova revisão científica publicada na revista Neuroscience & Biobehavioral Reviews revela que a terapia assistida por psicodélicos, especialmente com psilocibina, pode reduzir significativamente o consumo de álcool e apresentar altas taxas de cessação do tabagismo. O estudo também aponta potencial para o tratamento da dependência de opioides.
A pesquisa foi conduzida por uma equipe multidisciplinar formada por 15 cientistas de instituições renomadas como o Hospital St. Michael’s (Toronto), o Centro de Medicina Psicodélica da Universidade de Nova York, o Imperial College London e universidades do Canadá, Austrália e Holanda.
A revisão analisou 16 estudos — a maioria de natureza observacional ou com rótulo aberto, o que significa que poucos foram ensaios clínicos randomizados, apontando para a necessidade de pesquisas mais robustas.
Mesmo assim, os resultados foram animadores: a psicoterapia assistida por psilocibina (PAP) foi associada à redução no consumo de álcool, cessação do tabagismo e melhorias psicológicas relacionadas.
“Ao sintetizar dados de múltiplos estudos, buscamos oferecer uma compreensão mais clara e atualizada sobre o potencial terapêutico da psilocibina e sua aplicabilidade em diferentes tipos de transtornos por uso de substâncias (SUDs)”, escreveram os autores.
Nos estudos voltados ao transtorno por uso de álcool (AUD), os participantes relataram menos episódios de consumo excessivo, maior abstinência e normalização da atividade cerebral observada por exames de neuroimagem.
Já nos casos de tabagismo, os resultados foram ainda mais expressivos: houve altas taxas de abstinência, sendo que experiências místicas durante o uso da psilocibina mostraram correlação com resultados positivos de longo prazo.
“Embora os achados para outros transtornos por uso de substâncias tenham sido variados, a psilocibina demonstrou potencial em reduzir o uso de opioides e nicotina”, afirmam os autores.
Mesmo com o número limitado de ensaios clínicos, a psilocibina foi, de forma geral, bem tolerada pelos participantes. Quando combinada à psicoterapia, levou a reduções significativas no uso de substâncias, segundo a revisão.
Os resultados se somam a um crescente corpo de evidências. No início de 2025, um estudo publicado como preprint na revista The Lancet testou a psilocibina como tratamento para o transtorno por uso de metanfetamina. Os pesquisadores consideraram o tratamento viável em ambiente ambulatorial, sem apresentar riscos à segurança, e com sinais promissores de eficácia.
Durante 90 dias de acompanhamento, os participantes relataram redução no desejo por metanfetamina, além de melhora na qualidade de vida, depressão, ansiedade e estresse.
A pesquisa com psicodélicos como tratamento contra vícios vem ganhando cada vez mais respaldo científico e financeiro. Em 2024, o Instituto Nacional de Saúde dos EUA (NIH) destinou US$ 2,4 milhões para estudar o uso de psicodélicos no tratamento do transtorno por uso de metanfetamina.
Em 2023, o Instituto Nacional de Abuso de Drogas (NIDA) também liberou US$ 1,5 milhão para projetos relacionados ao uso terapêutico de psicodélicos no tratamento de dependências.
No mesmo ano, uma análise inédita revelou detalhes sobre como a terapia assistida por psicodélicos age em pessoas com transtorno por uso de álcool. Outra pesquisa de 2022, destacada pelo Centro Nacional de Saúde Complementar e Integrativa (NCCIH), demonstrou que pacientes que passaram por terapia com psilocibina apresentaram menos dias de consumo abusivo de álcool ao longo de 32 semanas do que o grupo controle.
Esses dados reforçam o que outras pesquisas já indicaram: psicodélicos clássicos como psilocibina e LSD têm potencial terapêutico para tratar vícios, especialmente o alcoolismo.
Perspectivas para o Brasil
Apesar de a psilocibina ainda ser classificada como substância proibida no Brasil, o avanço dos estudos em países como Estados Unidos, Canadá e Reino Unido pode abrir caminho para futuras pesquisas e mudanças regulatórias por aqui. Em paralelo, cresce o interesse de universidades, startups de biotecnologia e médicos integrativos brasileiros pela chamada medicina psicodélica.
O cenário atual aponta para uma transformação profunda na forma como os transtornos por uso de substâncias são tratados — com foco menos punitivo e mais terapêutico, valorizando experiências subjetivas e integração psicoterapêutica.
