Decisão reconhece direito ao autocultivo por razões de saúde e falta de acesso econômico ao medicamento derivado da planta
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu habeas corpus preventivo a uma estudante de Direito de 24 anos, permitindo que ela cultive cannabis em casa para fins medicinais, sem sofrer penalizações criminais. A decisão foi publicada em 15 de maio, mas divulgada nesta terça-feira (3), e representa mais um avanço no reconhecimento judicial do autocultivo terapêutico da planta no Brasil.
A jovem, moradora da Paraíba, é diagnosticada com transtorno de ansiedade generalizada e transtorno do pânico — condições que, segundo a defesa, são tratadas com extrato de cannabis sob prescrição médica. No entanto, os altos custos do produto importado e comercializado legalmente tornaram o tratamento inviável financeiramente, levando a Defensoria Pública da Paraíba (DPE-PB) a recorrer ao Judiciário em busca de autorização para o cultivo pessoal.
Apesar de apresentar laudos médicos e até mesmo uma autorização da Anvisa para o uso do extrato da planta, o Tribunal de Justiça da Paraíba (TJ-PB) negou o pedido duas vezes, inclusive após a entrega de documentação complementar. A DPE, então, levou o caso ao STJ, que acatou os argumentos da defesa.
A decisão foi proferida pelo ministro Reynaldo Soares da Fonseca, que reconheceu que, diante da situação de saúde da paciente e da falta de condições financeiras, o cultivo doméstico para fins medicinais é justificável e deve ser protegido pelo Judiciário. Segundo ele, impedir esse acesso seria restringir o direito constitucional à saúde.
Para a defensora pública Fernanda Peres, responsável pelo caso, a decisão reforça a necessidade de o Estado garantir tratamentos acessíveis e eficazes para transtornos mentais, especialmente quando há comprovação médica e prescrição do uso da cannabis como terapêutica complementar.
“A estudante já possui autorização da Anvisa e acompanhamento médico, mas não consegue arcar com os custos do produto vendido legalmente. O cultivo caseiro é, nesse contexto, um recurso legítimo de acesso à saúde”, afirmou Peres.
A decisão do STJ é mais um exemplo de como a judicialização do acesso à cannabis medicinal tem se tornado caminho recorrente para pacientes em situação de vulnerabilidade no Brasil. Com a ausência de uma legislação clara que regulamente o cultivo individual, casos como esse dependem da sensibilidade do Judiciário — o que acarreta ineficiência sistêmica e desigualdade de acesso ao tratamento canabinoide.
A decisão do STJ não apenas evita uma eventual criminalização da jovem por posse ou plantio da planta, como também pode servir de precedente jurídico para outros casos semelhantes em todo o país.
Atualmente, o autocultivo de cannabis para fins medicinais no Brasil só é possível mediante decisão judicial. Já são mais de 2 mil autorizações concedidas por tribunais brasileiros, segundo dados de entidades do setor.