Crescimento do mercado de cannabis provoca disputa com a indústria do álcool, que propõe restrições à venda de derivados da planta
O mercado da cannabis legalizada nos Estados Unidos está provocando movimentações intensas entre setores econômicos tradicionais — especialmente o de bebidas alcoólicas. Um novo memorando da associação American Beverage Licensees (ABL), que representa varejistas de bebidas como bares, restaurantes e lojas especializadas, defende que somente estabelecimentos licenciados para vender álcool possam comercializar produtos com THC — substância psicoativa presente na cannabis.
Publicado em abril de 2025, o documento afirma que os produtos canábicos com efeito psicoativo deveriam seguir o mesmo modelo regulatório do álcool, com exigência de licenciamento específico, fiscalização rigorosa, limites de potência, testes laboratoriais e taxação semelhante ao de bebidas alcoólicas.
“Os estados devem restringir a venda de produtos com THC intoxicante a negócios licenciados para vender bebidas alcoólicas e que já são regularmente inspecionados para prevenir vendas a menores de 21 anos”, diz o texto oficial da ABL.
A ABL argumenta que seus associados já têm décadas de experiência no cumprimento das regras de comercialização de substâncias controladas. Por isso, seriam os mais capacitados a vender cannabis de forma segura. A proposta inclui ainda a criação de um sistema de impostos semelhante ao da indústria de bebidas alcoólicas, além de sanções para quem operar fora da lei ou não cumprir exigências de rotulagem e controle de qualidade.
Outro ponto polêmico é a sugestão de um “teto de potência” por dose de THC, o que pode impactar diretamente produtos concentrados ou com aplicações medicinais específicas.
O memorando defende também que os lojistas de cannabis tenham acesso facilitado a seguros e serviços financeiros, reconhecendo que as barreiras legais atuais limitam o desenvolvimento do setor.
Por que a indústria do álcool está preocupada com a cannabis?
A resposta é simples: a cannabis está ganhando espaço e substituindo o álcool. Relatórios do setor apontam que cada vez mais consumidores estão trocando cerveja, vinho e destilados por produtos à base de cannabis. Um estudo da Bloomberg Intelligence classificou a cannabis como “uma ameaça significativa” à indústria alcoólica.
A substituição já começa a ser sentida nas prateleiras. Nos EUA, o consumo diário de cannabis ultrapassou o de álcool, e pesquisas mostram que os consumidores consideram a maconha menos prejudicial do que o álcool, cigarros e até vapes. No Canadá, onde o uso recreativo da cannabis é legal desde 2018, as vendas de cerveja caíram após a legalização — outro forte indicativo da chamada “troca de hábito”.
Essa não é a primeira investida do setor alcoólico contra a cannabis. Em 2024, o Beer Institute recomendou que o governo dos EUA estabelecesse um imposto federal sobre produtos com THC — mais alto que o aplicado sobre qualquer bebida alcoólica. O grupo também defendeu uma política de tolerância zero entre THC e direção, desconsiderando o fato de que o THC pode permanecer no organismo por dias sem comprometer a capacidade cognitiva do usuário.
A Wine and Spirits Wholesalers of America (WSWA), por sua vez, pediu ao Congresso um marco regulatório claro para produtos de cannabis derivados do cânhamo, posicionando-se contra proibições generalizadas, mas a favor de regras que limitem o avanço do mercado canábico.
Enquanto o lobby do álcool tenta monopolizar a distribuição de produtos com THC, ativistas da reforma das políticas de drogas e do mercado legal de cannabis defendem que qualquer regulação precisa priorizar a justiça social, o acesso medicinal e o estímulo a pequenos empreendedores — especialmente aqueles historicamente criminalizados pela guerra às drogas.
Nos EUA, e também no Brasil, é urgente construir um modelo de regulação que não repita os erros da indústria do álcool, que concentra lucros em grandes corporações e marginaliza iniciativas comunitárias e independentes.
Cannabis x Álcool: disputa de mercado e disputa de narrativas
- A indústria do álcool teme perder mercado com o avanço da legalização da cannabis.
- Representantes do setor propõem que apenas estabelecimentos licenciados para bebidas possam vender THC.
- Estudos mostram que consumidores estão trocando o álcool pela maconha, considerada menos nociva.
- Ativistas defendem uma regulamentação que inclua justiça social, acesso democrático e pluralidade de agentes no setor.