Pesquisa questiona percepção popular sobre segurança do consumo e reacende debate sobre políticas criminais
Por décadas, consumidores de cannabis acreditaram que o uso de bong, dispositivo em que a fumaça passa pela água antes de ser inalada, seria uma forma menos nociva de consumo em comparação com cigarros de maconha. Porém, um novo estudo, conduzido por pesquisadores da Universidade de Wisconsin-Madison e da Tailândia, sugere que a filtragem pela água não reduz de forma significativa a presença de compostos químicos na fumaça.
Os cientistas analisaram três variedades populares de cannabis, Bubble Gum, Silver Haze e Hang Over OG, utilizando cromatografia gasosa acoplada à espectrometria de massas (GC-MS), técnica capaz de identificar compostos químicos pela massa molecular. O resultado mostrou que a composição da fumaça foi praticamente idêntica, independentemente de ter sido consumida em cigarro ou bong.
“No intervalo de compostos detectados, nenhum foi completamente filtrado pela água do bong”, afirmaram os autores. Eles ressaltam, contudo, que a metodologia não foi capaz de medir partículas maiores, aerossóis e metais, elementos que poderiam ser parcialmente retidos pela água.
Apesar da limitação, o estudo lança dúvidas sobre a ideia de que o bong proporciona uma experiência mais segura. Um achado curioso foi a presença consistente de β-cis-Cariofileno em altas concentrações, um terpeno com potenciais efeitos anti-inflamatórios, antioxidantes e analgésicos, mas ainda pouco estudado em comparação ao THC e ao CBD.
Além das descobertas químicas, os autores apontam a falta de padronização como um dos maiores entraves da ciência canábica. Diferentemente do tabaco, que conta com décadas de protocolos validados, a pesquisa sobre cannabis ainda carece de métodos consistentes para medir e comparar amostras.
A publicação, no entanto, foi retirada da plataforma bioRxiv antes de passar por revisão por pares, por motivos burocráticos relacionados ao local onde a pesquisa foi realizada.
O tema “água de bong” já esteve no centro de polêmicas jurídicas nos Estados Unidos. Em 2009, a Suprema Corte de Minnesota decidiu que o líquido poderia ser considerado droga, sob a alegação de que usuários o armazenariam para consumo futuro, até mesmo bebendo ou injetando. A lei só foi alterada em 2024, depois de casos de repercussão nacional, como o de uma mulher de Fargo que enfrentava até 30 anos de prisão por posse de água de bong, situação que levou a ACLU a assumir sua defesa.
O episódio ilustra como lacunas científicas, preconceitos e legislações punitivas ainda se entrelaçam no debate sobre cannabis. Enquanto a pesquisa aponta para a necessidade de estudos mais robustos sobre os riscos e potenciais terapêuticos da planta, a criminalização do consumo continua produzindo desfechos desproporcionais e, muitas vezes, absurdos.
