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Cannabis no Brasil avança, mas ainda estamos longe do ideal

by contato

É com satisfação que inauguro minha coluna no portal de notícias Cannabis Medicinal. Estamos completando sete anos da resolução da Anvisa de 2015 que tirou o canabidiol da lista de substâncias proibidas e a colocou

canabidiol legislação

 na lista que pode ser prescrita. No ano seguinte, uma Resolução da Anvisa (RDC 130/16) autorizou a venda nas farmácias de Mevatyl, nome comercial no Brasil do Sativex ou dos nabiximois, que consiste em canabidiol (CBD) e tetraidrocanabinol(THC) nas quantidades de 25mg/ml e 27mg/ml respectivamente, que possui indicação em bula para a espasticidade da esclerose múltipla. Com essas duas resoluções, já podemos dizer que a cannabis medicinal está liberada no Brasil. 

Estamos ainda longe da situação ideal, mas muito avançamos nas possibilidades de tratamento da população com canabinoides. Temos agora mais de mil médicos que prescrevem produtos derivados de Cannabis, e a quantidade de prescrições que em 2015 não passava de 500, em 2019 foi de 7001 e em 2021 passou de trinta mil. Confira os dados da Anvisa aqui.

 Além do número de importações ser crescente, temos a presença de algumas formulações à disposição nas farmácias, que serão vendidas mediante apresentação de receita médica (tipos A, amarela e B, azul) a depender do teor de THC. A novidade é bem-vinda, e esperamos que a quantidade aumente para que os valores possam ficar mais competitivos, pois atualmente os importados ainda são mais baratos. 

Embora o acesso tenha sido facilitado, seja pelas resoluções da Anvisa, seja pela autorização judicial de algumas associações canábicas que produzem extratos, a comunidade médica ainda carece de informação segura sobre a matéria. Boa parte dos artigos científicos que relataram meta-análises ou revisões sistemáticas foram realizados por profissionais que não possuem muito conhecimento sobre a área e os tipos de produtos que existem e os efeitos diferenciais de cada um deles na clínica. 

Dessa forma, acabam comparando estudos realizados com CBD purificado com extratos integrais de diversas proporções e composição de canabinoides e com os sintéticos. Os sintéticos como o dronabinol e a nabilona são muito mais potentes que o THC natural, e o CBD purificado muito menos eficaz que os extratos integrais a depender da patologia a ser tratada. Isso significa que se deve comparar estudos realizados com o mesmo tipo de produto e doses semelhantes em populações semelhantes com determinado tipo de doença; fica claro que levará anos até que meta-análises de qualidade possam ser publicadas sobre o assunto. 

A publicação em si é difícil. Eu publiquei um relato de caso bem-sucedido de tratamento de paralisia supranuclear progressiva com Cannabis medicinal e tive que pagar 300 dólares para isso, pois as revistas tradicionais recusaram a publicação e, pasmem, ao dar a negativa sugeriram que eu publicasse em outra revista paga do mesmo grupo deles. Conclusão: publica quem tem dinheiro. Os comitês editoriais têm um viés de seleção de artigos e muitos bons trabalhos, inclusive fornecendo mais dados que um simples relato de caso, têm sido igualmente recusados. Por isso não é de admirar que a quantidade de publicações que tratam de produtos integrais seja pequena, enquanto com o CBD purificado há centenas. 

Para finalizar, existe ainda o preconceito, no sentido próprio de pré-conceito, por parte de grande parte da comunidade médica, que rejeita até mesmo o CBD, pelo simples fato dele derivar da Cannabis. Os mais arrojados aceitam o CBD, mas repudiam o THC, vítimas das décadas de propaganda anti THC, que fizeram a todos acreditar que THC “frita” neurônios ou que “causa” esquizofrenia. Sabemos hoje que pessoas predispostas geneticamente à esquizofrenia não devem usar maconha (leia-se droga de rua, rica em THC e quem sabe outros contaminantes, fumada, e sem o CBD que protege contra alguns efeitos do THC), principalmente durante adolescência, quando o cérebro ainda está em neurodesenvolvimento. Os estudos são claros em demonstrar que o uso nessas circunstâncias, por longos períodos e em grandes quantidades, aumenta o risco de um surto psicótico e, tanto na esquizofrenia como nos bipolares, favorece o início mais precoce desses transtornos.

 No entanto, esses estudos não estudaram a Cannabis medicinal. É possível que em dez anos ou mais tenhamos estudos prospectivos que comparem coortes em uso de medicamentos à base de Cannabis com coortes usando medicamentos tradicionais, por exemplo, nas epilepsias refratárias, em pacientes com síndrome de Tourette e em autistas. 

Enquanto esses estudos não estão disponíveis, temos que seguir a máxima hipocrática de “primum non nocere” e prescrever de forma adequada, tendo em mente as indicações, contraindicações e estratégias de prescrição segura, minimizando efeitos adversos e maximizando resposta terapêutica. 

Como disse Schopenhauer, “qualquer verdade passa por três estágios: primeiro é ridicularizada. Segundo, é violentamente combatida. Terceiro, é aceita como óbvia e evidente. 

* Dra Ana Hounie possui graduação em Medicina pela Universidade Federal de Pernambuco (1994) e doutorado em Ciências, na área de Genética Epidemiológica em Psiquiatria pela Universidade de São Paulo-FMUSP (2003). É membro da Associação Brasileira de Psiquiatria e faz pós-doutorado na Faculdade de Medicina da USP. Trabalha principalmente no atendimento e pesquisa do Transtorno Obsessivo-compulsivo e da Síndrome de Tourette, tendo um livro publicado sobre esta última síndrome.

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