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Cannabis medicinal: uma velha alternativa para uma nova esperança

by contato

Você que me lê neste momento certamente já ouviu falar, nos últimos anos, da possibilidade de uso medicinal da Cannabis sp, planta popularmente conhecida por dar origem à maconha, não ouviu? Além de ouvir falar nessa possibilidade, sou capaz de afirmar que você tem alguma opinião formada sobre este assunto, provavelmente sustentada em algum conhecimento que você eventualmente possa ter, não é mesmo? As perguntas que ficam,são: O que você sabe?De onde vem esse conhecimento?No que ele está embasado? Pergunto isso porque vivemos em tempos em que todos parecem ser um pouco doutores de tudo, mas, na verdade, o que se tem é aquilo que eu chamo de “síndrome de Chicó”, aquele carismático personagem do filme “O Alto da Compadecida” que costumava proferir a célebre frase: “não sei, só sei que foi assim”. Em relação à Cannabis medicinal é mais ou menos desta maneira que acontece, ou seja, todos têm uma opinião embasada em algum conhecimento.O problema é que nem sempre esse conhecimento vem de uma fonte confiável, se é que há uma fonte (o já mencionado “só sei que foi assim”). Por isso a importância do conhecimento com responsabilidade, sobretudo no que diz respeito a este assunto, pois a Cannabis medicinal é uma alternativa bastante antiga que surge como uma nova esperança para muitos pacientes.

O uso medicinal da Cannabis vem de tempos muito longevos, desde pelo menos 2700a.C., de onde surgem os primeiros registros atribuídos ao imperador chinês ShenNeng, o qual prescrevia chá de Cannabis para o tratamento de gota, reumatismo, malária, dentre outras possibilidades. Atualmente, muitas evidências científicas importantes vêm sustentando de forma contundente o uso medicinal desta planta. Fato este que fez a prestigiada revista científica Nature dedicar duas de suas edições (set/2015 e ago/2019) inteiramente para falar deste assunto. Segundo um artigo publicado na edição de 2015 da revista, “a Cannabis é uma espécie de baú do tesouro da farmacologia atual” (Owens, B., 2015, Nature). Dentre todas as possibilidades, a que vem ganhando mais destaque na mídia nos últimos tempos tem sido a utilização de extratos da planta no combate de epilepsias refratárias, ou seja, aquelas que não respondem a nenhum outro medicamento. Neste sentido, os medicamentos à base deCannabis têm sido a melhor esperança farmacológica que surgiu nos últimos anos para estes pacientes, muitos destescrianças que encontraram neste medicamento a única alternativa para reduzir suas severas crises convulsivas (para entender estes casos, sugiro que assistam ao documentário“Ilegal – A Vida Não Espera”, disponível no YouTube).

A Cannabis medicinal deve ser vista como qualquer outro medicamento, algo que altera funções do organismo e que, se usada de forma correta e responsável por profissionais capacitados, poderá trazer benefícios à saúde de muitas pessoas. As farmácias e as nossas casas estão cheias deste tipo de substância.Várias delas, inclusive,com grande potencial nocivo, algo bem diferente da Cannabis medicinal que, por sinal, é relativamente segura. A diferença é que, no caso da planta em questão, temos a tendência do olhar acalorado e acabamos por focar, muitas vezes, na ilusão dos extremos, quando deveríamos simplesmente olhar de forma mais racional e menos emocional, como costumamos fazer com qualquer outro medicamento.

Você sabia?

Em 2005 a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) retirou o canabidiol (CBD), constituinte extraído daCannabis, da lista de proibidos,liberando sua importação para consumo próprio, desde que com as devidas indicações médicas (e um bocado de burocracia). A partir de então, medicamentos à base de CBD já foram prescritos por milhares de médicos e outras dezenas de milhares de pacientes jáconseguiram autorização para importação, possibilitando o tratamento de doenças como epilepsia, esclerose múltipla, Alzheimer, Parkinson, etc.

No ano de 2020 a ANVISA também concedeu, pela primeira vez, uma autorização sanitária para produção e venda do primeiro produto à base de Cannabis a ser fabricado e vendido no Brasil.A burocracia e o alto custo de importação, tanto para os pedidos dos pacientes quanto para a matéria prima necessária à produção do produto em solo nacional, acabou por gerar um medicamento com um preço muito altoe pouco acessível. Esta inacessibilidade,por sua vez, aparece comoum dos principais entraves ao tratamento, levando várias famílias asolicitar na justiça que o SUS banque com estes custos, ou até mesmo a solicitar autorização para o plantio e produção do medicamento em casa.

Atualmente, centenas de famílias já conseguiram habeas corpus preventivos para cultivar a planta para fins medicinais e as associações de pacientes têm feito um trabalho essencial na assistência a este tratamento, inclusive com algumas delas também autorizadas a produzir e distribuir este tipo de medicamento.Este ano tramita no congresso federal o Projeto de Lei 399/2015, que pretende viabilizar o plantio, a produção e o acesso à Cannabis para fins medicinais no Brasil. O caminho ainda é longo, mas importantes passos vêm sendo dados neste sentido. Parafraseando Chico Science, “um passo à frente e você já não está mais no mesmo lugar”. Que venham os próximos passos!

*Rafael Mariano de Bitencourt possui graduação em Farmácia pela Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC (2004), Mestrado (2008) e Doutorado (2012) em Farmacologia pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Durante o doutorado, passou um período de seis meses no Centro de Neurociências da Universidade de Coimbra, em Portugal, para a realização de Doutorado Sanduíche. Atualmente é professor titular do Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde (PPGCS) da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), onde coordena o Laboratório de Neurociência Comportamental (LabNeC) e desenvolve pesquisas voltadas à compreensão do sistema endocanabinoide e as possibilidades terapêuticas acerca deste sistema

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