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Você sabe o que é Redução de Danos?

by contato

Se você já leu/estudou/pesquisou alguma coisa relacionada ao uso de maconha e/ou outras drogas psicoativas, pode ter se deparado com o termo “redução de danos”. No entanto, você compreende o que isso representa? A tentativa de definição desse conceito pode ser um pouco complexa devido à ampla gama de aspectos que atravessam a construção do próprio movimento da Redução de Danos enquanto prática de saúde pública. Sendo assim, se faz necessário travar uma linha cronológica de acontecimentos e pensamentos que auxiliaram na emergência dessa, também, ética de cuidado!

A começar, muitos movimentos sociais no campo da saúde pública e mental, a partir da década de 70, surgiram no Brasil, a fim de lutar pela defesa intransigente dos Direitos Humanos que, assim como propõe a Declaração Universal, aponta questões como ser direito da pessoa humana o acesso à saúde, a tratamentos dignos que contemplem suas necessidades de saúde, à moradia, à educação, à alimentação, à trabalho, à lazer, à liberdade de expressão etc…

Entre esses movimentos, podemos citar o Movimento da Reforma Sanitária que, basicamente, promoveu acesso à saúde a todas as pessoas, o Movimento da Reforma Psiquiátrica – que pensou a urgência de reforma do modelo de assistência às pessoas em condição de sofrimento mental decorrente ou não do uso/abuso de drogas -, o Movimento da Luta Antimanicomial que tem como preceito o cuidado em liberdade, o Movimento da Marcha da Maconha (que luta pela Planta Livre/Legalização da Maconha e redução dos impactos sociais advindos de sua proibição) e, por último, mas não menos importante, o Movimento da Redução de Danos que será explorado a seguir.

Portanto, perceba: na esfera sobre a garantia dos Direitos Humanos básicos das pessoas brasileiras, muitos movimentos surgem, se entrelaçam e trazem à tona novos pensamentos em relação aos temas da saúde, da loucura e do uso de drogas no país. É justamente por conta de todo esse entrelaçamento no que concerne aos vários movimentos sociais citados e como cada um reflete no outro é que não se faz possível definir a Redução de Danos apenas como prática/paradigma no campo da saúde, haja vista todas as interferências que estes outros movimentos sociais trouxeram à própria emergência da RD.

A Redução de Danos, chamada de “RD”, foi nomeada e reconhecida a partir dos anos de 1989, tendo sua história construída na cidade de Santos-SP. Digo reconhecida, pois nos anos anteriores (e não só no Brasil), práticas para reduzir danos associados ao uso/abuso de substâncias já eram postas em algumas partes do mundo. No entanto, aqui no país essa prática de cuidado foi pautada a partir de pessoas que faziam uso de drogas injetáveis, principalmente cocaína e heroína, visto suas próprias percepções de que o compartilhamento de insumos de uso (seringas e agulhas) entre as pessoas do grupo promovia uma alta – bastante crescente, diga-se de passagem – dos casos de infecções por HIV e Hepatite C.

Portanto, reconhecendo suas demandas de saúde, estes grupos se mobilizaram e reivindicaram melhores condições de tratamentos e, por que não, de usos de drogas mais seguros com seus riscos e danos minimizados. A Redução de Danos fica conhecida, então, como prática de cuidado no campo do uso de drogas com a distribuição de seringas descartáveis e agulhas esterilizadas para pessoas que usavam drogas injetáveis, incidindo no campo das ISTs (Infecções Sexualmente Transmissíveis) e se consolidando como um paradigma, sobretudo, de baixa exigência no que concerne à abstinência, ou seja, a RD também cuida de pessoas que não querem e/ou não conseguem parar de usar, apresentando-lhes formas mais seguras de usar e, consequentemente, reduzindo danos. A RD, dessa forma, não pauta a abstinência do uso de drogas como único caminho possível, mas, sim, como uma das possibilidades a serem construídas – desde que faça sentido para a pessoa atendida, observando e compreendendo as diversas variáveis que atravessam esse fenômeno do uso de drogas.

Com muitas delongas necessárias para complementar mais essa história – mas que não são foco aqui – a RD vai tomando outros rumos e, então, exprime novas ideias que abarcam não mais somente o cuidado no campo do uso de drogas, mas, também, no campo da saúde mental e atenção psicossocial, ocupando espaços que reconhecem a RD enquanto lógica que acolhe, não pune, não vigia nem segrega.

Articulando-se com o campo da saúde mental, a Redução de Danos compartilha do mesmo pressuposto da Luta Antimanicomial: trancar não é tratar! Independente de qual seja a demanda – uso de drogas ou sofrimento mental – o cuidado e tratamento precisam ser em LIBERDADE ao invés de operarem como ferramentas que aniquilam subjetividades ao trancafiar existências humanas em instituições totais como, por exemplo, clínicas de “reabilitação” e comunidades “terapêuticas”, afastando os sujeitos da sociedade com um discurso de “reinserção social”, mas tão e somente reproduzindo a lógica manicomial de enclausuramento e exclusão.

Nesse sentido, a RD extrapola os muros das instituições e passa a ser pensada como, além de lógica, uma ética que defende, sobretudo, a apologia ao cuidado no campo da saúde mental e do uso de drogas, sempre promovendo diálogos sinceros, abertos e respeitosos sobre os danos que, sabemos, decorrem do uso de substâncias lícitas e/ou ilícitas.

Sendo assim – e voltando ao ponto da complexidade de definição da RD – ela pode ser pensada como lógica, ética e paradigma no campo de cuidado e atenção às pessoas que usam drogas e que desejam ocupar lugares de autonomia e protagonismo frente suas próprias vidas, tendo seus Direitos Humanos respeitados, elucidando para a sociedade que usar droga é apenas mais uma das linhas que nos enunciam no mundo enquanto sujeitos!

*Kássia Gonzáles Tosta é Psicóloga Clínica (CRP-PR 08/31419), Psicanalista e Redutora de Danos. Compõe a Marcha da Maconha de Curitiba, a Coletiva de Luta Antimanicomial do Paraná (CLAP) e a Associação Brasileira Multidisciplinar de Estudos sobre Drogas (ABRAMD Sul).

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