“Vou ter de conviver com a esclerose múltipla para o resto da vida”, disse a atriz Guta Stresser, a Bebel de ‘A Grande Família’, ao contar o diagnóstico da doença. A condição não tem cura, e os sintomas complicam a vida dos pacientes: fadiga, espasmos, problemas de memória, alterações de humor, entre outros. O canabidiol (CBD), substância encontrada na cannabis, é uma das alternativas encontradas pela atriz para reduzir o impacto da doença e melhorar a qualidade de vida.
Mais de 100 fitocanabinoides — compostos presentes na cannabis — conseguem se conectar ao sistema endonacanabinoide do corpo humano. Eles apresentam efeitos terapêuticos e, entre eles, está a ação anti-inflamatória. O CDB está entre essas substâncias. Por sua vez, a esclerose múltipla (EM) é uma doença autoimune: “os anticorpos gerados pelo próprio organismo atacam o próprio organismo, gerando uma resposta inflamatória, perda de função e dor”, como explica o médico e neurocientista Rogério Panizzutti, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
“O CBD é potencialmente benéfico porque ele tem uma ação anti-inflamatória e também uma ação contra a dor. Esses são os principais alvos no caso da esclerose múltipla”, afirma o médico. Por enquanto, a esclerose múltipla é uma doença sem cura. O médico explica, no entanto, que existem formas de controle da cascata de coisas que vão acontecendo depois do evento inflamatório. “O CBD pode, ao controlar a inflamação, ajudar com que as pessoas não evoluam para uma doença mais grave. É uma questão que devemos conhecer melhor com o uso mais prolongado dos pacientes”, avalia.
Mais segurança
Panizzutti avalia que existe uma outra vantagem do uso do CBD no controle da esclerose múltipla, em comparação com anti-inflamatórios tradicionais: menos efeitos colaterais a longo prazo. “Qual é a grande vantagem do CBD? As medicações muito usadas no controle da resposta inflamatória têm efeitos colaterais. E isso prejudica o uso das pessoas de forma mais regular, constante. O CBD tem um perfil de segurança positivo”, explica o neurocientista.
Por enquanto, o único medicamento à base de substâncias da cannabis aprovado no Brasil, o Metavyl, é utilizado para o tratamento da esclerose múltipla. Ele é utilizado para o controle de espasmos gerados pela esclerose múltipla e contém, além do CBD, outra substância da planta: o THC. Após uma série de estudos e protocolos, agências reguladoras passaram a recomendá-lo diretamente contra a esclerose, com registro em bula.
“Os principais efeitos farmacológicos do THC incluem analgesia, relaxamento muscular, antiemético [redução das náuseas e dos vômitos] e estimulação do apetite. Enquanto o CBD vai ter um efeito analgésico, anticonvulsivante, relaxante muscular, ansiolítico, neuroprotetor, antioxidante e também diminui a atividade psicótica”, explica Wilson Lessa Junior, psiquiatra e professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
Para Lessa, as duas substâncias têm “efeitos sinérgicos e complementares” no tratamento da esclerose múltipla. “É interessante que muitos dos efeitos colaterais do THC são minimizados quando há presença do CBD. Lembrando que o Mevatyl tem 1/1 de CBD para THC. Os estudos mostram que o uso de até 12 ‘puffs’ diários é bastante seguro e não têm o risco de causar dependência ou trazer prejuízo para o paciente”, explica.
Entenda melhor
Desde 2019, foram liberados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) 18 produtos para a venda nas farmácias, oito à base de extratos de cannabis sativa e 10 do CBD, que também são utilizados por médicos no tratamento de doenças variadas além da esclerose múltipla, incluindo a epilepsia e o parkinson. Eles não têm a classificação oficial como “medicamentos”, com indicação direta em bula, mas têm autorização para prescrição no país.
“A única indicação formal que a gente tem de derivado da cannabis como medicamento é o uso para controle da espasticidade da esclerose múltipla. O Metavyl foi aprovado para isso e se torna medicamento. Já o CBD normal, nos EUA, é classificado como suplemento alimentar. No Brasil, acho que é uma categoria à parte, mas não é medicamento no sentido que não tem uma indicação formal”, explica Panizzutti.
Por outro lado, Panizzutti afirma que no dia a dia, no tratamento da esclerose múltipla, a escolha entre Metavyl e outras alternativas derivadas da cannabis está de acordo com a adaptação de cada um dos pacientes. “O Metavyl tem mais efeitos colaterais que só o cannabidiol (CBD). Se for esclerose múltipla com espasticidade, aí eu vou usar o Metavyl, apesar de a tolerância não ser tão boa. Acontece, às vezes, de o paciente usar o medicamento e não suportar. Aí eu receito o canabidiol e o paciente suporta melhor”. “Por exemplo, tive uma paciente que achava horrível o gosto do óleo do Metavyl. Tem pacientes que por causa do THC ficam mais eufóricos, mais ansiosos”, disse. “No CBD é mais raro”, complementa.
Fonte: G1
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