As sucessivas trocas de medicação em tratamentos que não resultavam em avanços para o filho com Transtorno do Espectro Autista fizeram o pai Marcelo entrar em uma busca solitária pelo uso medicinal da cannabis. O menino Lucas, diagnosticado aos 2 anos de idade com o nível três da doença, convivia com autolesões, incapacidade de fala e dependência total. A preocupação do pai era garantir uma vida digna à criança, o que só conseguiu há quatro anos, quando enfrentou a ilegalidade para plantar cannabis e extrair o óleo para tratar o filho. “Para a sociedade, é uma coisa normal, mas hoje ele consegue usar o banheiro sozinho, tem consciência de que pode escovar os próprios dentes. O fato de dar o comando, ele entender aquilo que está sendo passado e conseguir executá-lo é uma vitória excepcional”, afirmou o pai.
Em maio deste ano, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo conquistou um habeas corpus para Marcelo, que lhe garantiu salvo conduto para o plantio e extração do canabidiol em sua casa. Segundo a ativista Angela Aboin, de Campinas, outras quatro famílias já tiveram esse direito garantido no município, mas o percurso moroso e a luta contra a ilegalidade ainda são desafios para quem vive nessas condições.
Rede de apoio
A ativista Angela Aboin, que é fisioterapeuta, traçou o mesmo caminho anos atrás, sendo até denunciada à polícia por tráfico de drogas por plantar maconha. Ela também vê melhorias na pequena Maria Luiza, desde os três anos de idade. “Os ganhos de imediato foram o sono e o olhar mais concentrado.” Hoje, a criança tem 9 anos e, segundo a mãe, diminuiu a agressividade, desenvolveu a fala, a contactação e a interação. “Ela tinha recomendação de uso de capacete e camisa de força para ficar em casa devido às crises. Hoje, vai à escola, tem dificuldades no processo de inclusão, próprias do autismo, mas está num nível muito melhor.”
Angela buscou a Defensoria Pública em agosto de 2017. Seu caso só teve habeas corpus concedido em fevereiro de 2019 e, todo ano, precisa ser revisto pela Justiça. Segundo a fisioterapeuta, encarar a ilegalidade para plantar e extrair o óleo é um caminho escolhido por muitas famílias diante dos altos custos da medicação. “É uma guerra declarada. Acho que há um entendimento de que é mais fácil plantar maconha e assumir que você a cultiva na sua casa do que você encarar a sociedade e ser respeitado como uma família de autista. O direito do autista não existe. Acham que não se deve investir, que é problema seu. Falta não só empatia, mas respeito às leis. Muitas pessoas não conseguem enxergar que, através de uma planta, tem uma medicina. Quando a polícia chegou aqui em casa, com mandado de busca e apreensão, eu falei: eu prefiro encarar o presídio do que a minha filha, o manicômio. Porque a gente, como adulto e com capacidade plena, consegue analisar os riscos. Mas uma pessoa autista, muitas vezes perde não só a identidade dela, como a liberdade.”
A fisioterapeuta contou com apoio de uma rede internacional para obter as sementes e fazer as primeiras extrações. Foram consultados pesquisadores da Holanda, Israel, Estados Unidos e Texas. Hoje, Angela auxilia famílias a buscarem o apoio legal para a própria produção. Ela já ajudou 18 famílias, algumas de outros Estados. Desse total, nove são da Região Metropolitana de Campinas e cinco de Campinas – todas estas, com vitórias garantidas pela Justiça.
Importações
Atualmente, segundo levantamento da empresa Kaya Mind, que acompanha o setor no País, mais de 53 mil brasileiros têm autorização da Anvisa para importar remédios que usam a planta como base, além de 30 mil que realizam o procedimento com associações. O relatório mapeou empresas que atuam com a cannabis para fins medicinais. Hoje, há 995 produtos derivados da cannabis que podem ser importados por pacientes no Brasil, a maioria tem como forma farmacêutica a tintura e o óleo. A liberação para a importação foi dada em 2015 pela Anvisa, valendo-se apenas de prescrição médica. Naquele ano, a agência recebeu 896 solicitações; já em 2020, foram 19.120 pedidos. Ou seja, um aumento de 2.031% no período de cinco anos.
Fonte: Correio Popular
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