Em Foz do Iguaçu, na tríplice fronteira com Argentina e Paraguai, é comum o uso de uma solução feita com cannabis curtida no álcool que embebida em panos é usada para curar lesões na pele. “Se um morador for até a polícia do Paraguai na fronteira com um frasco de álcool, eles te dão maconha apreendida. Fui pesquisar sobre isso na literatura e não encontrei registros, mas sei que é algo usado em toda a América Latina”, explica Francisney do Nascimento, farmacêutico com pós-doutorado em farmacologia e professor da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), localizada em Foz do Iguaçu.
Depois de cinco semanas ingerindo o extrato com 170 microgramas de tetrahidrocanabinol (THC) os pacientes já apresentaram melhoras e conseguiram fazer repetições de movimentos com os pés e as pernas. Alguns ainda apresentaram melhoria na qualidade do sono e no humor. O hábito local inspirou o pesquisador a iniciar os estudos sobre os benefícios da cannabis, desde 2017. No ano seguinte, Nascimento se deparou na universidade, com uma paciente vítima de traumatismo causado por um acidente automobilístico que possuía limitações para se alimentar e se vestir, e ainda sofria espasmos pelo corpo. A jovem estava sob um tratamento com um extrato feito à base de maconha. Mas a solução era importada e os pesquisadores não sabiam ao certo de quais substâncias ela era composta.
“Só sabíamos que a paciente teve efeitos muito bons. Após dois meses começou a ter ganhos intelectuais e cognitivos”, conta Francisney. A partir desta experiência, Nascimento começou a avaliar o uso da Cannabis em pessoas acometidas por doenças como Alzheimer e Parkinson no Laboratório de Neurofarmacologia Clínica da Unila. Criado no ano passado, o foco do laboratório é o tratamento de patologias neurodegenerativas, tendo como carro-chefe o uso de canabinoides, substâncias químicas encontradas na cannabis.
O docente explica que toda planta Cannabis possui centenas de substâncias químicas, mais de 100 tipos de moléculas. Entretanto, as duas principais são o tetrahidrocanabinol (THC), conhecido pelo efeito psicoativo e neurotóxico, e o canabidiol (CDB) que possui funções terapêuticas. “Ambos podem ser terapêuticos, dependendo da dose ministrada. Sabemos que o THC tem maior potencial, mas em dose acima de 30 miligramas, começa a ter o efeito psicoativo”, explica Nascimento.
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Parkinson
Os testes sobre a utilização de microdoses de extrato da cannabis em pacientes com Parkinson são resultado de uma pesquisa de mestrado de duas alunas da Unila. O Parkinson é um distúrbio do sistema nervoso central que afeta o movimento e provoca tremores. Por três meses, oito pessoas que têm essa doença tomaram uma solução em gotas antes de dormir, feita à base de THC. Depois de cinco semanas ingerindo o extrato com 170 microgramas de THC os pacientes já apresentaram melhoras e conseguiram, por exemplo, fazer repetições de movimentos com os pés e as pernas, de acordo com o professor. Alguns pacientes ainda apresentaram melhoria na qualidade do sono e no humor.
Agora, em parceria com a Associação de Portadores de Parkinson de Medianeira, no Paraná, a mesma hipótese será testada no próximo semestre em um grupo maior de pessoas. De acordo com Nascimento, a ideia é aumentar a dose de THC para verificar se há mudança nos efeitos. Ele reforça que a dose utilizada é 120 vezes menor do que a quantidade que costuma causar as reações psicoativas, por isso ainda há uma margem grande para ser trabalhada.
Alzheimer
O extrato também foi testado em um paciente de 75 anos diagnosticado com Alzheimer há três anos. A doença estava em estágio moderado, o paciente reconhecia, por exemplo, familiares, mas não mais amigos ou vizinhos, e já não dominava informações básicas, como o caminho de casa. Nascimento lembra que não há na indústria farmacêutica um medicamento capaz de reverter a perda de memória, existem somente os que conseguem retardá-la por um período de oito a dez meses. O extrato de cannabis utilizado neste paciente tinha 500 microgramas de THC e 50 de CDB.
Em dois meses, os pesquisadores notaram respostas positivas, como por exemplo, o aumento do score de um teste que reflete a memória. “Nenhum outro medicamento fez isso, acontece que ao aumentarmos a dose (1000 microgramas de THC) o efeito não foi tão bom, houve uma redução nos ganhos de memória. Hoje a dose está entre 400 a 500 microgramas. Já são 15 meses de tratamento e em termos de sintomas é como se o paciente não tivesse Alzheimer, ele continua muito bem.”
O estudo também será estendido a outros oito pacientes para avaliar se o fenômeno se repete. “Em caso positivo, seria uma grande aposta de tratamento futuro para pacientes que sofrem de Alzheimer”, diz Elton Gomes da Silva, neurologista responsável pelo estudo. Os pesquisadores ainda não sabem responder, por exemplo, até quando irão os efeitos deste extrato. Se eles são apenas sintomáticos ou impedem a progressão da doença. “Isso só saberemos ao longo do tempo. Por isso as pesquisas são essenciais para a autonomia do país. No Brasil não há espaço para pesquisa nas universidades privadas, quem produz pesquisa são as instituições públicas. E sem pesquisa não há como avançar.”
Fonte: Correio de Minas
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