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THC é realmente tóxico para gatos? O que a ciência revela sobre o uso de cannabis em felinos

by Redação

Nos últimos anos, o uso de compostos da cannabis em animais de estimação vem ganhando espaço entre tutores que buscam alternativas naturais para tratar dor, inflamação, ansiedade e outras condições. Quando o assunto envolve gatos, porém, uma frase costuma aparecer com força: “o THC é tóxico para felinos”.

A afirmação, repetida muitas vezes, tem base científica, mas também carrega uma leitura limitada, moldada por décadas de proibição e desconhecimento. Estudos recentes e relatos clínicos de veterinários especialistas mostram que, sob supervisão e com formulações adequadas, até mesmo pequenas quantidades de THC podem trazer benefícios terapêuticos aos gatos, contrariando o estigma de que a substância seria automaticamente perigosa.

De acordo com a Pet Poison Helpline, há casos de intoxicação por THC em gatos após inalação ou ingestão acidental de produtos humanos à base de cannabis. Os sintomas incluem sonolência, descoordenação motora, salivação, vômitos e, em situações graves, convulsões. Um estudo publicado no Journal of Veterinary Emergency and Critical Care relatou um caso de intoxicação após inalação de fumaça de maconha, com presença de THC detectável no sangue do animal. Esses episódios indicam que o risco é real quando há exposição inadequada e descontrolada.

Por outro lado, pesquisas vêm mostrando que o THC, quando usado em doses terapêuticas e em formulações veterinárias, pode ser seguro e eficaz. A toxicidade depende da dose, da forma de administração e do conhecimento técnico do profissional que prescreve.

Um estudo publicado em 2021 na Frontiers in Veterinary Science avaliou o uso oral de CBD por 26 semanas em gatos saudáveis e concluiu que o composto foi bem tolerado. Outro, conduzido pela Universidade do Colorado, testou uma pasta de CBD/CBDA em gatos com osteoartrite e observou melhora significativa na mobilidade e na dor. Já uma pesquisa publicada na revista Animals (MDPI, 2023) relatou que o uso de CBD em gatos com estomatite crônica resultou em melhora na dor e na inflamação em apenas 15 dias.

Além desses, estudos experimentais vêm investigando a combinação de CBD e THC em microdosagens. Os resultados preliminares sugerem que, sob acompanhamento rigoroso, gatos podem tolerar formulações com baixas concentrações de THC sem efeitos adversos relevantes.

A médica veterinária Adrielly Toledo, especialista em cannabis medicinal, defende que o THC pode ser um grande aliado no tratamento de felinos quando usado com conhecimento. “O THC é um fitocanabinoide com excelente potencial terapêutico. Em minha rotina clínica, utilizo o THC em diversos casos, como em gatos com doença renal avançada, anorexia prolongada ou hiperestesia felina. Também observou resultados fantásticos em casos de anemia associada à FeLV”, afirma.

Ela explica que a substância só se torna perigosa quando usada em doses incorretas ou sem orientação. “Assim como qualquer medicamento, o uso exige conhecimento farmacológico e fisiológico. Em dosagens adequadas, é totalmente seguro. O THC não é um vilão — é um aliado poderoso quando usado com técnica e respeito”, completa.

Para Adrielly, cada gato deve ser tratado de forma individualizada. “Cada caso é isolado. Tenho pacientes que usam óleos ricos em CBN, CBD e CBG, mas sempre prefiro os de espectro completo por sua amplitude terapêutica. A base para uma prescrição segura é dominar o sistema endocanabinoide e entender onde e como os fitocanabinoides atuam. Trabalhar com cannabis não é simples, e é por isso que eu bato tanto na tecla de que não podemos usar CBD para tudo. Cada paciente tem uma necessidade e o THC, quando bem manejado, oferece possibilidades incríveis.”

A médica veterinária Tatiana Libonati, especialista em cannabis medicinal, concorda, mas ressalta que os felinos exigem atenção redobrada. “Os gatos têm uma deficiência enzimática hepática, a glicuronil transferase, responsável por metabolizar alguns fármacos, inclusive os fitocanabinoides. Por isso, a administração de óleos ricos em THC deve ser feita por veterinários habilitados, para evitar sobrecarga no fígado”, explica.

Segundo ela, quando a formulação individual é adequada e o acompanhamento é constante, o resultado tende a ser positivo. “Os felinos respondem muito bem a óleos ricos em THC, sem aumento das enzimas hepáticas. Eu trabalho com óleos altos em THC e não observo problemas clínicos. Pelo contrário, os resultados terapêuticos são excelentes”, afirma.

Tatiana acrescenta que o uso de óleos full spectrum, com todos os compostos naturais da planta, é o que oferece os melhores resultados. “Mesmo que a maioria dos estudos ainda foque no CBD, os felinos respondem melhor ao THC em termos de inflamação, analgesia e qualidade de vida, desde que o produto seja bem formulado. O efeito comitiva, ou a sinergia entre os compostos, potencializa os resultados.”

Em 30 de outubro de 2024, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 936/2024, que regulamenta a prescrição de produtos à base de Cannabis por médicos-veterinários. A medida, fruto de uma intensa articulação com o Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), permitiu que veterinários habilitados prescrevam a substância para o tratamento de animais. 

Veterinários especializados recomendam que os tutores exijam sempre produtos certificados, com laudos laboratoriais e rastreabilidade de origem. O acompanhamento clínico é indispensável, assim como o ajuste individual de dose e formulação.

A toxicidade do THC em gatos não é uma questão absoluta, mas sim de dosagem e contexto, superando o viés simplista do proibicionismo. A ciência veterinária aponta riscos de intoxicação em casos de formulação inadequada ou falta de acompanhamento, porém raramente fatais. Por outro lado, o uso terapêutico, baseado em evidências e com acompanhamento individualizado, demonstra um potencial expressivo para a saúde felina.

Reconhecer as particularidades metabólicas dos felinos é essencial, mas isso não deve ser motivo para afastar o THC das possibilidades terapêuticas. O que causa intoxicação não é a planta, e sim o desconhecimento sobre ela.

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