O Senado aprovou na noite dessa terça (16) no plenário, em primeiro turno, a chamada PEC das Drogas, proposta de emenda à Constituição que determina que é crime possuir ou portar qualquer quantidade de droga, mesmo que para consumo próprio. Ainda é preciso a aprovação em segundo turno para o texto ser encaminhado à Câmara dos Deputados.
A criminalização do porte e da posse, mesmo para consumo próprio, já é prevista na Lei de Drogas de 2006, que está em vigor; o Código Penal também prevê crimes sobre o tema. Mas não é algo determinado na Constituição Federal. A intenção da PEC é incluir a regra na Constituição, tornando-a superior a uma lei, mais difícil de ser alterada.
Esse movimento do Legislativo é visto por políticos, advogados e analistas ouvidos pela BBC News Brasil como uma reação do Congresso ao fato do tema estar sendo debatido em um julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF).O julgamento no Supremo é um decisão sobre um caso específico, mas pode ter repercussão geral – quando vale para todos os outros.
O que os ministros estão decidindo é se o artigo da lei que criminaliza o porte (ter) e a posse (carregar consigo) de maconha para consumo próprio é inconstitucional.
Caso decidam que sim, o julgamento na prática leva à descriminalização. No momento, o processo está aguardando a análise do ministro Dias Toffoli, que pediu vista, para voltar a ser julgado pelo colegiado da Corte. Mas 5 dos 11 ministros já votaram pela descriminalização.
É para tentar “neutralizar” o que aparenta ser a provável decisão do STF que os senadores avançam a tramitação da PEC.
Nesta terça, o senador Eduardo Girão (Novo-CE) disse no plenário que “foi necessária a criação de uma PEC para evitar que o STF invada a competência de outro poder”.
Por se tratar de uma adição à Constituição, a PEC precisa ser aprovada em dois turnos no Senado e dois turnos na Câmara dos Deputados. Ou seja, ainda faltam três votações mais a sanção presidencial para a aprovação final.
A expectativa dos senadores por trás da proposta é de que ela continue a ser aprovada sem grandes resistências. Na votação do primeiro turno nesta terça, ela teve grande maioria pela aprovação, com 53 votos a 9. Os senadores estão votando em segundo turno.
Embora tenha muitos quadros críticos à criminalização do porte, por considerar que ela prejudica os mais pobres, o PT não orientou sua bancada a se posicionar contra a PEC. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) também não se manifestou sobre um eventual veto.
No entanto, especialistas apontam que a aprovação da emenda no Legislativo pode não encerrar o debate no Supremo.
Aprovação de PEC pode não encerrar debate no STF
A bancada evangélica – que foi quem deu fôlego ao avanço da PEC, com o apoio do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco – aposta na sua aprovação como uma espécie de garantia contra o julgamento do STF
Mas especialistas em direito avaliam que a situação é mais complexa do que parece.
Mesmo que o Congresso aprove a PEC em todos os turnos antes da decisão do Supremo no caso, o julgamento não seria interrompido e não necessariamente a PEC teria efeitos “automáticos”.
“A emenda constitucional pode ser impugnada pela via das ações diretas de inconstitucionalidade (ADI), como o Supremo já fez no passado”, afirma Henrique Sobreira Barbugiani Attuch, do escritório Wilton Gomes Advogados.
Ou seja, é possível contestar a própria emenda à Constituição na Justiça. Isso porque mesmo PECs podem ser consideradas inconstitucionais caso se conclua que elas interferem nas chamadas “cláusulas pétreas” da Carta – temas que não são passíveis de mudança.
“O direito não aceita tudo. Há princípios que nem emendas podem mudar na Constituição”, diz Belisário dos Santos Junior, especialista em Direito Público e ex-secretário de Justiça de São Paulo.
“Então, se aprovada, essa PEC não garante o fim da discussão.”
Caso a PEC seja aprovada e não seja questionada, o que é considerado por analistas ouvidos pela reportagem como algo improvável diante do atual cenário político, aí sim o resultado da decisão do Supremo sobre o artigo 28 da Lei de Drogas (que está em julgamento) teria que levar em consideração o que estabelece a emenda.
Diferenciar usuário e traficante
Wallace Corbo, professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), explica que existe também a possibilidade de o Supremo decidir que a criminalização do uso não viola a Constituição – ou seja, não derrubar totalmente a PEC.
Mesmo assim, existiria a necessidade de se estabelecer uma quantidade para diferenciar usuário e traficante, explica Corbo.
A questão da quantidade para diferenciar traficantes de usuários é considerada um dos temas centrais do julgamento. O Supremo julga a constitucionalidade de um artigo da Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006) que cria a figura do usuário de drogas em uma diferenciação em relação ao traficante.
Este último ficaria sujeito a penas mais severas, mas a lei não estabeleceu critérios objetivos sobre a diferença entre usuário e traficante.
Em resposta a isso, o texto da PEC foi alterado durante a tramitação justamente para incluir a questão da diferenciação entre traficante e usuário, mas os senadores não determinaram uma quantidade.
O relator da emenda, senador Efraim Filho (União-PB), incluiu no texto a determinação de que seja “observada a distinção entre traficante e usuário”, mas com a previsão de que a distinção seja feita com base nas “circunstâncias fáticas do caso concreto”.
Na prática, isso só incluiria na Constituição o que a lei já determina e o que já acontece hoje.
No entanto, diversos críticos da falta de critérios objetivos para diferenciação dizem que isso torna a questão muito subjetiva e costuma levar a distorções.
Eles afirmam que isso prejudica especialmente jovens negros que moram em comunidades pobres que seriam presos e processados como traficantes, apesar de portarem pequenas quantidades de drogas.
O caso que motivou o julgamento no STF, por exemplo, refere-se a um homem que foi flagrado com três gramas de maconha enquanto estava preso.
Já defensores desse ponto específico afirmam que não é possível estabelecer uma quantidade que valha para todos.
“[Não haver uma quantidade determinada] dá a discricionaridade da definição se é ou não porte ou tráfico a quem faz de fato a apreensão, quem está ‘com a mão na massa'”, disse o senador Rogério Marinho na reunião da Comissão de Constituição e Justiça do Senado.
“O juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como a conduta, os antecedentes do agente”.
Fonte: BBC
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