Por Claudinei Barbosa da Silva*
No trabalho que venho desenvolvendo como psicólogo na interface entre saúde mental e o uso terapêutico da Cannabis, percebo um padrão recorrente no discurso de muitos (aqui vou chamar de usuários) que me procuram:
“Qual é a genética que mais chapa?”
“Qual bate mais forte?”
“Qual tem o THC mais alto?”
Essas perguntas, repetidas com frequência, revelam algo mais profundo. Por trás da curiosidade sobre potência, há uma busca por entorpecimento. E, sob o olhar da Psicologia, entorpecer é fugir. Fugir do real. Fugir da dor. Fugir de si mesmo. Pode se tratar de um desejo inconsciente de bloqueio sensorial e emocional, uma espécie de anestesia psíquica.
Mas a Cannabis não precisa, e não deve, ser esse caminho de fuga. O uso consciente da planta deveria nos conduzir justamente ao oposto: à expansão da consciência, ao aumento da percepção do mundo interno e externo, à capacidade de lidar com as dores, e não de evitá-las. Quando utilizada com respeito, informação e propósito, a Cannabis pode ser uma ferramenta de conexão, não de desconexão.
A chave está na dose e na intenção. E aqui, é importante se perguntar com honestidade:
“O que você realmente espera ao fazer uso da planta?”
“Qual o estado físico ou mental que você está buscando?”
Com base na prática clínica e em princípios da Psicologia como cuidado, costumo explicar que existem três formas principais de se relacionar com qualquer substância:
- Dose Ideal:
Aquela que sustenta o equilíbrio, promove bem-estar e pode ampliar a consciência. É a dose terapêutica, consciente e individualizada, voltada ao autoconhecimento, à presença e à autorregulação. - Dose de Resgate:
Utilizada de forma pontual, em momentos de crise, estresse agudo ou sofrimento psíquico intenso. Embora seja um recurso legítimo, ela não deve se tornar um padrão.
- Dose de Sedação:
É a que preocupa. É aquela usada para silenciar a mente, não para encontrar paz, mas para desligar da realidade. É onde muitos se perdem. E é nesse tipo de uso que, frequentemente, se instala a dependência emocional e o distanciamento da vida.
Quando a busca gira em torno do “mais forte”, do “que chapa mais”, do “mais potente”, estamos lidando com a dose de sedação, e não com o auto-cuidado. Esse padrão de uso não apenas mascara sintomas, como dificulta processos de autotransformação.
Esse cenário revela a urgência de uma educação psicológica e afetiva sobre o uso da Cannabis, algo ainda pouco explorado no campo da saúde mental.
O uso consciente não fecha a mente – expande.
O uso abusivo não cura – mascara.
Enquanto psicólogo, sou a favor do uso consciente da Cannabis Sativa L. Sou contra a desinformação, a negligência e o uso inconsciente.
A Cannabis pode ser uma grande aliada, mas, como toda aliada potente, exige respeito, autoconhecimento e direção.
*Claudinei Barbosa da Silva é Psicólogo – CRP 19/3986. Pós graduado em Cannabis Medicinal. Pós graduado em Psicologia do Esporte
