Um estudo da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP revelou que os efeitos terapêuticos do canabidiol (CBD) não são uniformes entre os sexos e podem variar significativamente de acordo com a fase hormonal das fêmeas. Publicada na revista Behavioural Brain Research, a pesquisa reforça a importância de considerar o ciclo reprodutivo em estudos sobre o uso medicinal da Cannabis.
Coordenada pela professora Paloma Molina Hernandes, do Laboratório de Farmacologia do Comportamento, a pesquisa demonstrou que o CBD teve efeitos mais pronunciados em ratas durante a fase do ciclo estral chamada diestro, que se assemelha à fase lútea tardia do ciclo menstrual humano — período frequentemente associado a sintomas de ansiedade em mulheres.
“Nossas descobertas sugerem que o CBD pode ter potencial como tratamento para a disforia pré-menstrual, condição que afeta emocional e psicologicamente muitas mulheres na fase pré-menstrual do ciclo”, afirma a pesquisadora.
Para simular situações de pânico, os pesquisadores expuseram ratos e camundongos a ambientes com baixa oferta de oxigênio ou altas concentrações de dióxido de carbono, desencadeando reações de fuga. O CBD não teve efeito significativo sobre os machos ou sobre as fêmeas em fase de proestro (equivalente à fase folicular do ciclo menstrual), mas reduziu de forma consistente os comportamentos de pânico nas fêmeas em diestro.
Nos testes com camundongos, as diferenças foram ainda mais marcantes: as fêmeas responderam ao CBD apenas com doses muito mais elevadas, enquanto os machos não apresentaram nenhuma resposta ao canabinoide, independentemente da dosagem.
Paloma explica que essas diferenças se devem, em parte, às variações nos níveis de progesterona cerebral entre as espécies. “Nas ratas, há um paralelo entre os níveis de progesterona no sangue e no cérebro ao longo do ciclo. Já nas camundongas, os níveis cerebrais seguem um ritmo circadiano próprio, menos influenciado pelas mudanças plasmáticas.”
A importância de incluir variáveis sexuais nos estudos
A pesquisa foi orientada pelo professor Hélio Zangrossi Jr., também da FMRP, e reforça um ponto crucial: a necessidade de incluir a variável sexo nos estudos científicos. Paloma lembra que, historicamente, a maioria das pesquisas biomédicas tem priorizado machos, negligenciando as flutuações hormonais das fêmeas por medo de interferências nos resultados. Essa omissão, segundo ela, compromete a eficácia e a segurança dos tratamentos desenvolvidos.
Um levantamento de 2016 com 57 ensaios clínicos randomizados mostrou que apenas 39% incluíram homens e mulheres em proporções iguais. E destes, só 20% analisaram diferenças de resposta entre os sexos. Essa lacuna pode ter implicações sérias: estudos mostram que as mulheres são mais propensas a sofrer efeitos colaterais de medicamentos já aprovados.
Nos Estados Unidos, o NIH (National Institutes of Health) implementou diretrizes em 2014 obrigando o uso equitativo de machos e fêmeas em estudos pré-clínicos — diretriz que tem sido progressivamente adotada também no Brasil.
O estudo da USP levanta discussões relevantes para a medicina canabinoide. A influência hormonal sobre a resposta ao CBD pode ter implicações diretas na prescrição de medicamentos à base de Cannabis, sobretudo no tratamento de condições como ansiedade, TPM e disforia pré-menstrual.
Ao avançar nesse tipo de pesquisa, o Brasil reforça seu protagonismo na ciência canábica e amplia a base de conhecimento necessário para o desenvolvimento de tratamentos mais personalizados e eficazes.