Combinação de THC e CBD mostrou-se significativamente mais eficaz do que placebo na redução da dor e dos sintomas mais incômodos da enxaqueca, com poucos efeitos adversos graves relatados
Pela primeira vez, um estudo clínico controlado por placebo demonstrou que a cannabis vaporizada pode ser uma alternativa eficaz no tratamento da enxaqueca aguda. A pesquisa, apresentada na Reunião Anual de 2025 da American Headache Society, revelou que pacientes tratados com uma combinação de tetrahidrocanabinol (THC) e canabidiol (CBD) experimentaram maior alívio da dor e dos sintomas como fotofobia e fonofobia em comparação com o grupo placebo.
O ensaio clínico randomizado, duplo-cego e cruzado envolveu 92 pacientes com histórico de enxaqueca moderada a grave. Eles receberam quatro tipos de tratamento, incluindo a combinação THC/CBD vaporizada, isolados dos dois canabinoides e placebo. Após duas horas da administração, 34,5% dos pacientes no grupo THC/CBD relataram ausência total da dor, contra apenas 15,5% no grupo placebo.
Além disso, 60,3% dos pacientes no grupo THC/CBD relataram a ausência do sintoma mais incômodo — geralmente fotofobia ou náusea — também significativamente maior do que o placebo (34,5%). Houve ainda melhora sustentada em sintomas por até 48 horas em muitos casos.
“Este é o primeiro estudo controlado por placebo nesta área. É a primeira evidência real e convincente dos efeitos antienxaqueca da cannabis em humanos”, disse o neurologista e pesquisador principal, Dr. Nathaniel M. Schuster, da Universidade da Califórnia em San Diego (UCSD).
Outro destaque do estudo foi a baixa incidência de eventos adversos graves. Os principais efeitos colaterais registrados foram sonolência, euforia e leve comprometimento cognitivo, mais comuns nos grupos que continham THC. Ainda assim, os pesquisadores observaram que a combinação THC/CBD apresentou menos efeitos psicoativos do que o THC isolado, possivelmente devido ao efeito modulador do CBD sobre os receptores canabinoides.
Em 2 horas, 6,9% dos pacientes do grupo THC/CBD relataram efeitos adversos leves, comparado a 18% no grupo THC isolado e 5,2% no placebo.
O estudo, realizado com flores vaporizadas de cannabis fornecidas pelo Instituto Nacional sobre Abuso de Drogas (EUA), reforça a importância de se buscar terapias alternativas para pacientes que não respondem bem aos triptanos e outras medicações convencionais. No entanto, os pesquisadores alertam para o uso criterioso da cannabis medicinal.
“Estudamos o uso esporádico, com administração limitada a quatro vezes ao longo de um ano. Por isso, sugerimos que o uso fique abaixo de 10 vezes por mês, apenas em crises que não respondem às terapias padrão”, explicou Schuster.
Especialistas independentes, como a professora Amaal J. Starling, da Clínica Mayo, destacam que os resultados são promissores, mas ainda preliminares.
“Precisamos de estudos adicionais com populações maiores e mais diversas. Este é um avanço importante, mas a generalização da eficácia ainda é desconhecida”, afirmou Starling ao Medscape Medical News.
O estudo aponta um novo horizonte para o tratamento da enxaqueca, uma condição que afeta milhões de pessoas no mundo e muitas vezes é negligenciada. A possibilidade de usar a cannabis vaporizada como recurso terapêutico reforça a necessidade de avançar com regulações sérias, embasadas em ciência, para garantir acesso seguro aos derivados da planta.
Além disso, reforça-se a urgência de romper com o estigma que ainda impede que pacientes relatem o uso de cannabis aos seus médicos, prejudicando o acompanhamento clínico e a eficácia dos tratamentos.
