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Entendendo o que significa o extrato “Full-Spectrum” com até 0,3% de THC

by contato

A farmacopeia canábica atualmente tem como seu protagonista o extrato / óleo Full-Spectrum com até 0,3% de delta-9-tetrahidrocanabinol (THC). Mas você sabe o que isso realmente significa? O que há nesse número místico?

Primeiramente, gostaria de explicar o porquê dessa porcentagem. Basicamente, é uma tentativa em determinar um limite para definir se um composto de cannabis tem potencial psicoativo ou não. É uma medida antes de tudo arbitrária, visto a carência de pesquisas focadas nessa questão. Tudo começou com um pesquisador canadense chamado Dr. Ernest Small que, em seu estudo de 1970, chamado Practicaland Natural Taxonomy for Cannabis, ao distinguir espécies de cannabis ricas ou pobres em THC, definiu o tal limite de 0,3% (do peso seco de partes da planta). No entanto, isso não foi baseado em potencial psicoativo ou de intoxicação, mas em análises das plantas de cannabis cultivadas historicamente. Já para o canabidiol (CBD), nunca houve limite legalmente imposto. Por exemplo, existem extratos puros (em forma de pó), podendo chegar a quase 100% de CBD.

Esse limite de 0,3% foi adotado como padrão por diversos países, como Canadá, Estados Unidos e Australia, extrapolado da porcentagem da planta seca para os respectivos extratos. Outros países, como vários da União Europeia e o próprio Brasil, adotaram o limite de 0,2%, sem também maiores explicações (no Brasil, existe a possibilidade de prescrição com teores maioresem farmácias comuns, porém esta deverá ser feita com receituário especial A). As variedades de cânhamo que possuem até tais limites têm seu plantio permitido (sob certas condições) nesses países. Apesar da grande parte das espécies de cânhamo ficar dentro do limite de 0,3%, há um grande problema: nem todas as variedadespossuem essa porcentagem, além de haver também variações entre safras. Portanto, não é difícil um cultivador estar em risco de exceder tal limite, podendo ter que enfrentar questões legais.

Existem movimentos que visam aumentá-lo, como o Hemp EconomicMobilizationPlan (HEMP) Actof 2020 que, além de outras medidas propostas, sugere aumentar o limite do cânhamo para até 1% de THC, facilitando o cultivo e aumentando as possibilidades da cannabis medicinal. Como comparação, a cannabis recreativa (com alto teor de THC) é consumida com porcentagem entre 5 a 25% de THC, podendo chegar a 30%. Um detalhe importante a ser relatado é que o “até 0,3%” contempla o THC total no extrato, tanto em sua forma ativa quanto em sua forma ácida – o THCa –, o qual não possui efeito psicoativo, apesar de ter respectivos efeitos terapêuticos.

Há outra questão relativa às porcentagens, a qual quis abordar inicialmente nesta coluna: essas porcentagens são “maleáveis”. O que isto quer dizer? Vamos supor que temos um óleo de 30ml com 5% de CBD e até 0,2% de THC. Isso significa que há 50mg por ml de CBD com até 2 mg por ml de THC. O que não explicam abertamente é que até 0,2% pode ser 0,01, 0,05 ou 0,1%, o que neste caso daria 1mg por ml de THC. Com isso, há uma mudança na proporção de canabinoides pela metade. O óleo que teria uma proporção de uma molécula de THC (0,2%) para 25 moléculas de CBD, agora tem a proporção de 1 para 50. Isso muda expressivamente o efeito terapêutico! Agora, o contrário também é possível – e por isso fiz a referência ao “maleável” –,pois podemos reduzir a quantidade de canabidiol para alterar essa proporção.

Podemos ter um extrato com 0,2% de THC e 2% de CBD, o que daria 2 mg por ml de THC com 20mg por ml de CBD (uma proporção de 1 para 10). Seria uma forma de “driblar” a legislação, com o problema de haver um excesso de diluição. Há também a dificuldade em se manter uma quantidade constante na porcentagem de THC, visto a variação entre safras. No entanto, algumas empresas estão começando a ficar atentas a isso, desenvolvendo produtos mais diluídos em relação ao CBD, porém mantendo os 0,2 a 0,3% de THC.Sabemos que a proporção entre esses dois canabinoides é fundamental na terapia canábica.

O delta-9-tetrahidrocanabinol é tão importante quanto o canabidiol e não deve ser tratado como algo “até tal valor”. Deve-se sempre saber proporção exata de THC e CBD no produto prescrito, por meio dos certificados de análise, e, além disso, acompanhar os certificados de lotes diferentes do mesmo produto para confirmar se este mantém uma proporção similar. Isso éessencial para eficácia da terapêutica com canabinoides.

*Dr. Pietro Vanni (CRM 52.105770-7) é médico psiquiatra formado pelo Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPUB). No mesmo ano de sua conclusão, iniciou estudos e aplicaçãoprática da medicina canabinoide. Desde novembro de 2019 exerce a função de diretor médico da ClínicaGravital. Também possui experiência psiquiátrica na rede pública e privada do Rio de Janeiro, e mantém seu consultório particular. Possui certificação internacional em terapias à base de cannabis.

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