Primeiramente, importante salientar que a relação jurídica narrada entre o plano e o paciente é de natureza consumerista, em que de um lado se tem o consumidor que contrata um serviço oferecido pelo plano, fornecedor de tal serviço, restando caracterizada a relação de consumerista em que são aplicadas normas específicas de garantia ao consumidor face o desequilíbrio técnico e econômico entre consumidor e fornecedor.
Vejamos o que nos fala os Artigos 2° e 3° do Código de Defesa do Consumidor:
“Art. 2º Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.(…)” “Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.(…)”
A proteção do consumidor está amparada na Constituição Federal, em seus artigos 5º, XXXII e 170, V, da Constituição Federal. Vale expor que o Código de Defesa do Consumidor reconhece a vulnerabilidade fática e econômica do consumidor que é infinitamente vulnerável se comparado às finanças do plano.
É pacífico que, em sede de relação de consumo de fornecimento de serviço, as cláusulas exageradas não podem prevalecer em detrimento do consumidor, consoante a norma enunciada no artigo 51, IV do Código do Consumidor, uma vez que o tratamento médico contratado é para cobertura de evento futuro e incerto, onde as necessidades não decorrem da vontade do beneficiário, ao contrário, decorrem de circunstâncias alheias a sua vontade e são inevitáveis.
Ademais, as doenças que padece o menor constam da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde (OMS) e, por este motivo, deve ser o tratamento coberto pelo plano. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme em reconhecer que o plano de saúde pode estabelecer as doenças que terão cobertura, mas não o tipo de tratamento a ser utilizado, sob pena de tal cláusula ser considerada abusiva,conforme verificado no trecho abaixo:
“SEGURO SAÚDE”. COBERTURA. CÂNCER DE PULMÃO. TRATAMENTO COM QUIMIOTERAPIA. CLÁUSULA ABUSIVA.O plano de saúde pode estabelecer quais doenças estão sendo cobertas, mas não que tipo de tratamento está alcançado para a respectiva cura. Se a patologia está coberta, no caso, o câncer, é inviável vedar a quimioterapia pelo simples fato de ser esta uma das alternativas possíveis para a cura da doença. A abusividade da cláusula reside exatamente nesse preciso aspecto, qual seja, não pode o paciente, em razão de cláusula limitativa, ser impedido de receber tratamento com o método mais moderno disponível no momento em que instalada a doença coberta.” (grifo nosso).
Vale ressaltar ainda que, a Constituição Federal de 1988, no seu artigo 5°, caput insere entre os direitos e garantias fundamentais o direito à vida e dispõe em seu inciso XXXII que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”, encartada no artigo 170, inciso V, como um dos princípios gerais da atividade econômica.
Visando coibir as práticas abusivas perpetradas pelas operadoras de Plano de Saúde, foi editada a Lei 9656 de 03/06/98, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, sendo importante frisar que a nova legislação não afasta a incidência de normas previstas na Lei 8078/90 (Código de Defesa do Consumidor),todas contendo normas de ordem pública e de aplicação imediata.
Dessa forma, em sede de direitos do consumidor e de contratos de adesão, a interpretação das cláusulas deve ser feita de modo mais favorável ao consumidor, sem prejuízo, ainda, do uso do princípio da razoabilidade. Entretanto, não é lícito à administradora do plano de saúde estabelecer a modalidade a ser empregada na melhora do mal que acomete o paciente,
o que se constitui em prerrogativa do médico.
Súmula 102, TJSP: “Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS”.
Assim, todo o plano de saúde deve fornecer a cobertura e custeio de tratamento à base de cannabis medicinal.
*Marina Gentil é advogada OAB/SC, pós graduanda em Cannabis Medicinal, diretora jurídica da Green Couple Assessoria e CEO da Clínica Sativa.
LEIA TODAS AS COLUNAS DA DRA. MARINA GENTIL
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