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Cannabis Medicinal como ferramenta na Redução de Danos

by Redação

Por Bruno Medeiros*

O que muitos vêem como apenas a busca por prazer, pertencimento ou fuga temporária da realidade, é, na verdade, a manifestação de uma busca por alívio para intensas dores emocionais e físicas, lidar com profundo sofrimento e vulnerabilidade psíquica, social, familiar. O perfil do usuário é diverso, multifacetado e contrasta com a imagem frequentemente retratada de forma estereotipada do adicto. Não existe um único tipo de pessoa que usa substâncias; são indivíduos de todas as classes sociais, gêneros, idades e profissões. É um cenário complexo onde a droga atua como apoio que a pessoa usa para aguentar uma realidade insuportável inserindo o usuário num ciclo de exclusão progressiva e risco contínuo.

A criminalização do uso dessas substâncias expõe o usuário a riscos jurídicos importantes, desde a abordagem policial à prisão, o que acentua a sua marginalização. Os desfechos podem ser devastadores: estigmatização, perda de emprego, rompimento de laços familiares e o isolamento social. O usuário vai sendo empurrado para ambientes cada vez mais inóspitos, inseguros e desumanos. Se o tema é saúde, a criminalização e a clandestinidade são fatores de risco primários. Ilegalidade é sinônimo de substância de procedência duvidosa e sem controle de qualidade, aumenta o risco de efeitos adversos e overdose. A saúde sofre deterioração não apenas pelos efeitos diretos das substâncias, mas também pelas condições insalubres de uso impostas pela ilegalidade, criminalização e estigma social.

Fazer uso em lugares distantes, escuros, inóspitos como banheiros, becos, vielas, esquinas e praças em horários irregulares, são fatores que comprometem gravemente a hidratação, a alimentação e o sono. Essa repetição de variáveis estressantes transforma problemas pontuais em condições crônicas de difícil solução. O medo constante da repressão e suas consequências diretas trazem ansiedade e a privação de um ambiente seguro levam à exaustão emocional e física, podendo chegar a desnutrição e à negligência de necessidades básicas como higiene e cuidado pessoal, fragilizando o organismo. O usuário se torna alvo fácil para uma longa lista de doenças infectocontagiosas graves como o HIV/AIDS e Hepatites Virais (B e C) – especialmente em usuários de drogas injetáveis, infecções respiratórias como Tuberculose e Pneumonias e dermatoses de difícil tratamento como celulites, abscessos e infecções fúngicas e virais, criando uma série de problemas agudos e crônicos que comprometem irremediavelmente a saúde pública e principalmente do indivíduo que recorre ao uso ilegal dessas substâncias. É neste ponto de vulnerabilidade extrema que surge a Redução de Danos (RD).

Em vez de focar na abstinência imediata da antiga política de “Guerra às Drogas” que só conseguiu aumentar violência, prisões em massa e overdoses, a nova estratégia remonta a Inglaterra, 1926, com o Relatório Rolleston, que permitia que médicos prescrevessem substâncias para dependentes químicos, visando evitar a morte e overdose pelo uso de drogas de rua adulteradas. No entanto, sua forma moderna e mais reconhecida se consolidou na Holanda e Reino Unido. Foi a crise do HIV/AIDS nas décadas de 1980 e 1990 que impulsionou a RD a se tornar uma política de saúde pública essencial, onde medidas como a troca de seringas para usuários de drogas injetáveis se provaram cruciais e de eficácia comprovada na contenção da epidemia. A RD é resultado de um movimento global de médicos, ativistas e usuários que lutaram pela abordagem mais humana e científica em contraste com a lógica da proibição no intuito de minimizar as consequências negativas do uso de drogas para o indivíduo e para a sociedade, partindo do princípio do acolhimento incondicional, ao reconhecer o usuário como um cidadão com direitos, incluindo o direito à saúde e à dignidade.

Neste panorama, a Cannabis Medicinal surge como um recurso de RD com um potencial notável na abordagem terapêutica de pessoas dependentes de substâncias como álcool, cocaína, crack ou opióides, podendo atuar como uma substituição menos danosa de forma orientada, supervisionada, assistida, ajudando a modular a fissura (craving) e a reduzir a gravidade dos sintomas de abstinência. O canabidiol (CBD), por exemplo, possui propriedades ansiolíticas e neuroprotetoras que auxiliam no manejo da ansiedade e da depressão frequentemente associadas. Com a melhoria da qualidade do sono e da regulação emocional do paciente, uma série de benefícios relacionados à estabilização do viver, o que pode levar a melhor adesão em programas de cuidados integrais. A Redução de Danos, com o potencial agregado da cannabis medicinal, representa uma alternativa ética e eficiente para a crise do uso problemático de drogas, é uma mudança de paradigma que substitui o julgamento pela compaixão e a punição pelo cuidado, focando em salvar vidas e construir um caminho gradual de saúde e autonomia
para quem vive à margem da sociedade. A cannabis medicinal é um passo vital para humanizar o tratamento e fortalecer a saúde pública.

*Bruno Medeiros é clínico geral, pós-graduando em psiquiatria e prescritor desde 2023, com experiência em redução de danos, ansiedade, stress, dores e insônia.

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