Entidades defendem mudanças em projeto de lei para garantir acesso ao tratamento e fomento à pesquisa científica com canabinoides
Representantes de associações que promovem o cultivo medicinal de Cannabis sativa participaram, nesta segunda-feira (14/7), de audiência pública na Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Eles defenderam a regulamentação da atividade, com o objetivo de ampliar o acesso aos tratamentos à base de canabinoides e estimular a pesquisa científica com a chamada maconha terapêutica.
O debate teve como foco o Projeto de Lei (PL) 3.274/21, de autoria da deputada Beatriz Cerqueira (PT), que trata do fornecimento de medicamentos com canabidiol (CBD) pelo sistema público de saúde. A proposta original obriga o SUS a oferecer medicamentos com CBD para tratar condições médicas debilitantes, beneficiando pessoas que não podem arcar com a importação ou judicialização do tratamento. Durante a tramitação, o texto passou por alterações, como a inclusão de uma política pública estadual voltada à pesquisa científica sobre cannabis medicinal e ao acesso seguro a produtos derivados da planta.
O papel das associações no acesso à cannabis medicinal
Durante a audiência, representantes das entidades cobraram o reconhecimento do trabalho das associações e a destinação de recursos públicos para pesquisas científicas. Segundo o Panorama Nacional do Setor Associativo da Maconha Medicinal, cerca de 121 mil pacientes são beneficiados por essas entidades em todo o país. Para Lucas Candini Soares, vice-presidente da Angatu, com sede em Belo Horizonte, o Estado precisa enxergar as associações como fornecedoras legítimas de medicamentos para o SUS. Já Adriana Gomes de Moraes, presidente da Tijucanna, localizada em Ituiutaba, afirmou que o proibicionismo impede o acesso das pessoas mais vulneráveis ao tratamento, além de barrar o avanço de pesquisas nas universidades. Segundo ela, a maioria da população não tem condições financeiras de custear os tratamentos com cannabis e recorre às associações como última alternativa.
Mesmo diante das dificuldades, a Tijucanna continua fornecendo medicamentos a pessoas vulneráveis e acolhendo pacientes com doenças graves, oferecendo apoio também às famílias. A atuação das associações preenche um vazio deixado pelo Estado e reforça a importância de políticas públicas que reconheçam essas iniciativas.
Pesquisa científica segue, apesar da ausência de uma lei estadual
A falta de regulamentação em Minas Gerais não impediu a realização de pesquisas científicas sobre o uso medicinal da cannabis. Leandro Cruz Ramires da Silva, diretor da Associação Brasileira de Pacientes de Cannabis Medicinal (Ama-me), apresentou resultados de estudos que comprovam a eficácia do canabidiol no tratamento de epilepsia refratária e em sintomas associados ao autismo. Em crianças com epilepsia, o CBD reduziu a frequência e a intensidade das crises, promovendo também ganhos psicomotores. Já em crianças autistas, observou-se melhora em quadros de insônia, comportamento anormal, convulsões e atraso no desenvolvimento motor. Um dos estudos foi referendado internacionalmente e influenciou a liberação da cannabis medicinal na Tailândia — o que, segundo Leandro, torna ainda mais frustrante a ausência de uma legislação estadual em Minas.
A Universidade Federal de Viçosa (UFV) também desenvolve pesquisas sobre o cultivo de cannabis medicinal. Para isso, precisou recorrer à Justiça e obteve autorização para plantar cinco mil pés de cannabis em uma área de 2,3 hectares. O projeto, chamado Banco de Germoplasma, visa desenvolver variedades estáveis da planta para produção de canabinoides. A UFV também já realiza pesquisas com clonagem e espera, em breve, avançar para estudos com sementes, o que permitiria identificar novas características genéticas.
Nova rodada de discussão será realizada na FFO
A presidenta da Comissão de Educação e autora do projeto, deputada Beatriz Cerqueira, informou que uma nova audiência será realizada na Comissão de Fiscalização Financeira e Orçamentária (FFO), próxima etapa da tramitação do PL 3.274/21. A parlamentar destacou a importância da mobilização social para pressionar o parlamento. “Os parlamentos brasileiros, em geral, não são progressistas. Muitas vezes, estão contaminados por preconceitos e resistem ao diálogo. Quando não há pressão popular, a aprovação de projetos como este se torna ainda mais difícil”, afirmou.
