Evento da Frente Parlamentar debateu a falta de regulamentação para prescrição e acesso a medicamentos derivados da planta em animais
A fundadora da Indica – Inclusão, Diversidade e Cannabis para Animais, Ana Carolina Campedelli, foi uma das vozes mais contundentes durante a audiência pública promovida pela Frente Parlamentar da Cannabis Medicinal e do Cânhamo Industrial, realizada nesta quinta-feira (23) na Assembleia Legislativa de São Paulo. Ao criticar a lentidão do Estado em regulamentar o uso veterinário de canabinoides, ela afirmou que “a burocracia e a inércia do Estado muitas vezes são sentenças de sofrimento e morte”.
Ana Carolina destacou que a Indica conta com uma rede de mais de 300 veterinários e atende cerca de seis mil animais em todo o país, oferecendo suporte terapêutico com base em derivados de cannabis. “As associações nasceram da coragem e da compaixão. Vivemos um ato de desobediência civil pacífica, porque não podemos virar as costas para a dor”, completou.
A audiência teve como objetivo discutir os entraves para a regulamentação da prescrição veterinária e o acesso aos produtos. O coordenador da Frente Parlamentar, deputado Caio França (PSB), lembrou que, desde outubro de 2024, médicos veterinários estão legalmente autorizados pela Anvisa a prescrever medicamentos à base de cannabis. “A Frente busca difundir o tema e apresentar práticas clínicas que já acontecem, apesar da ausência de regulamentação completa”, afirmou.
O vice-coordenador da Frente, deputado Eduardo Suplicy (PT-SP), defendeu o avanço das discussões junto ao Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), responsável por regular o uso veterinário dos produtos. “Estarei atento para buscar formas de viabilizar a legalidade dessas iniciativas”, afirmou o parlamentar.
O presidente do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Distrito Federal, Rodrigo Montezuma, relatou sua atuação pela regulamentação e lembrou que, sem normas claras, os profissionais correm risco de enquadramento na Lei de Drogas. “Toda essa luta é para garantir o tratamento para os animais e segurança jurídica para os veterinários. Privar os animais de substâncias com comprovado benefício terapêutico é, em si, uma forma de maus-tratos”, destacou.
Durante o debate, especialistas apontaram os múltiplos benefícios da cannabis medicinal em animais, incluindo efeitos analgésicos, anti-inflamatórios, imunomoduladores e calmantes. A médica-veterinária Kátia Ferraro, presidente da Comissão de Endocanabinologia do CRMV-SP, relatou casos de melhora significativa em cavalos de competição e animais com distúrbios de comportamento. “A cannabis mudou a relação entre tutores e animais, devolvendo bem-estar e qualidade de vida”, afirmou.
Apesar dos avanços no reconhecimento do potencial terapêutico, o acesso aos medicamentos ainda é limitado. Atualmente, apenas um produto à base de cannabis é regulamentado no Brasil para uso humano, e nenhum para uso veterinário. Veterinários e tutores dependem, em grande parte, de óleos fornecidos por associações canábicas. “Essas entidades são fundamentais para que o tratamento continue sendo possível, mesmo diante da omissão do Estado”, reforçou Kátia.
O encontro também foi marcado por manifestações de solidariedade à Associação Santa Gaia, de Lins (SP), que teve seu laboratório invadido pela Polícia Civil na semana passada. Medicamentos e plantas foram apreendidos, e o presidente da entidade, Guilherme Viel, permanece preso. “A Santa Gaia foi vítima de uma ação truculenta e desproporcional. As associações são essenciais para democratizar o acesso à cannabis medicinal num país onde o tratamento ainda é caro e elitizado”, afirmou Caio França.
Suplicy também se solidarizou com a entidade, que atende mais de nove mil pacientes. “Estamos falando de pessoas com epilepsia, autismo e doenças degenerativas que dependem desses medicamentos. Interromper seus tratamentos é condená-las ao sofrimento”, declarou.
A Frente Parlamentar informou que encaminhará ao governador Tarcísio de Freitas e a autoridades estaduais um manifesto da Santa Gaia denunciando o abuso policial e pedindo mais proteção e reconhecimento às associações canábicas.
A audiência consolidou o que o movimento pela cannabis medicinal vem defendendo há anos: a urgência de um marco regulatório que garanta segurança jurídica para veterinários, associações e pacientes — humanos ou não — que encontram na planta uma ferramenta legítima de cuidado e compaixão.
