Decisão reconhece finalidade medicinal e afasta acusação de tráfico de drogas contra dirigentes da Associação Divina Flor
Em decisão proferida em 14 de outubro de 2025, o juiz Waldir Peixoto Barbosa, da Comarca de Campo Grande (MS), rejeitou a denúncia do Ministério Público contra membros da diretoria da Associação Sul-Mato-Grossense de Pesquisa e Apoio à Cannabis Medicinal – Divina Flor. Os dirigentes eram acusados de tráfico interestadual de drogas e associação para o tráfico, com base na Lei 11.343/2006, após o envio de dois frascos de óleo de cannabis a um paciente em Santa Catarina.
O magistrado entendeu que não havia indícios de tráfico, mas sim de finalidade terapêutica, destacando a estrutura formal da entidade e a documentação médica que acompanhava os produtos. Segundo a decisão, os indícios colhidos “coadunam-se com envio pontual e dirigido a tratamento terapêutico de associados, mediante controle documental”.
O caso teve início em fevereiro de 2023, quando a associação enviou pelos Correios dois frascos de 30 ml de óleo rotulado como derivado de Cannabis sativa para pacientes vinculados à entidade. O Ministério Público alegou que o envio havia sido feito sem autorização da Anvisa e, por isso, configuraria tráfico interestadual de drogas.
Na defesa, os acusados sustentaram que a Divina Flor atua com fins estritamente medicinais e sem lucro, e que o envio foi feito com base em receitas e laudos médicos de pacientes cadastrados. A associação apresentou ainda seu estatuto social, parcerias acadêmicas e comprovações de ações judiciais e extrajudiciais em andamento para regularização junto ao CEJURE, TRF-3, MAPA e Anvisa.
Ao analisar o caso, o juiz destacou que o crime de tráfico exige a intenção de comercializar substâncias ilícitas (o chamado animus narcotraficandi), o que não se aplica à situação. “A remessa individualizada de pequena quantidade de derivado para paciente identificado, com prescrição médica e vínculo associativo, mostra-se desprovida de ofensividade suficiente ao bem jurídico saúde pública que legitime a via penal por tráfico”, escreveu o magistrado.
Com a rejeição da denúncia por ausência de justa causa, foram revogadas todas as medidas cautelares impostas exclusivamente em razão da ação penal. Para o advogado e especialista em direito canábico Felipe Nechar, a decisão representa um avanço importante na interpretação da Lei de Drogas. “Decisões como essa, que distinguem com clareza a finalidade terapêutica do crime de tráfico, são essenciais para reduzir a insegurança jurídica que ainda paira sobre associações e pacientes”, afirmou.
O caso da Associação Divina Flor reflete um movimento crescente no Brasil pela legitimação do associativismo canábico como alternativa segura e acessível para milhares de pacientes. Enquanto o poder público avança lentamente na regulamentação do cultivo e da produção de derivados, a sociedade civil tem se mobilizado por meio de pesquisas, advocacy jurídico e ações de base.
A rejeição da denúncia contra a Divina Flor não representa apenas uma vitória judicial, mas um sinal de amadurecimento do entendimento jurídico sobre o uso medicinal da cannabis no país — um passo fundamental na transição da política criminal para uma abordagem centrada no direito à saúde e na autonomia terapêutica.
