Estudo europeu propõe padronização sensorial da planta e aponta caminhos para melhorar a qualidade dos produtos medicinais e recreativos
Uma nova revisão científica publicada na revista Molecules detalha os complexos fatores que determinam o aroma e o sabor da cannabis. De acordo com os pesquisadores da Suíça, Alemanha e Espanha, os perfis sensoriais da planta vão muito além dos terpenos — compostos normalmente associados aos cheiros cítricos, florais ou terrosos. Flavonoides, fenóis, cetonas, aldeídos e compostos sulfurados também contribuem de forma decisiva para a identidade aromática da Cannabis sativa L.
A publicação visa apoiar programas de melhoramento genético, estabelecer diretrizes de controle de qualidade e incentivar novas pesquisas na chamada “ciência sensorial da cannabis”.
Embora os terpenos continuem sendo os principais compostos aromáticos conhecidos da cannabis, o estudo sugere que há uma complexidade maior do que se imaginava. Novas evidências mostram que compostos voláteis menos estudados também desempenham papéis fundamentais no perfil olfativo, o que pode mudar a forma como consumidores e pesquisadores percebem a planta.
A produção desses compostos depende tanto da genética da planta quanto de fatores ambientais — como temperatura, luz UV, nutrientes do solo e disponibilidade de água — além de técnicas de secagem e cura. Segundo os autores, “combinar seleção genética, práticas agrícolas otimizadas e manipulação pós-colheita é o caminho mais eficaz para maximizar os aromas e sabores da cannabis”.
O estudo alerta que os compostos aromáticos são altamente voláteis e se degradam com facilidade quando expostos à luz, calor, oxigênio e umidade. Um exemplo é o limoneno, que pode oxidar sob luz UV e perder seu aroma cítrico característico.
Para preservar esses compostos, os pesquisadores propõem técnicas como embalagens herméticas, refrigeração, liofilização e encapsulamento molecular. Esse último envolve a proteção dos compostos em estruturas microscópicas que evitam sua degradação até o uso final.
Roda de sabores: padronização para a cannabis
Inspirados pelas indústrias do vinho, café e tabaco, os autores também defendem a criação de uma roda sensorial padronizada para a cannabis, que ajudaria a descrever e comunicar os sabores e aromas com mais precisão.
O estudo mapeia os principais descritores comerciais:
- Linalol: floral e lavanda
- Limoneno: cítrico, limão e laranja
- Pineno: pinho
- Humuleno: terroso e amadeirado
- Cariofileno: amadeirado, picante e apimentado
Segundo os cientistas, “essa padronização ajudaria tanto consumidores, que poderiam alinhar preferências aos efeitos desejados, quanto pesquisadores, que ganhariam uma linguagem comum para avançar na compreensão dos perfis sensoriais da planta.”
A revisão reforça que o aroma e o sabor da cannabis não são meramente estéticos — eles têm relação direta com os efeitos terapêuticos e com a adesão dos pacientes ao tratamento, especialmente no uso de flor in natura.
Além disso, os autores alertam que o foco excessivo na produtividade, como o aumento de THC e rendimento por planta, pode estar contribuindo para uma redução da biodiversidade global da cannabis. Isso ocorre, segundo outro estudo citado, porque o mercado legal estaria privilegiando poucas linhagens otimizadas para extração e rápido florescimento, em detrimento da diversidade genética e sensorial.
Complementando o debate, estudos recentes identificaram novos compostos até então desconhecidos nas flores da cannabis, incluindo o canabinoide cannabielsoxa, e localizaram 33 marcadores genéticos associados à produção de fitocanabinoides, como THC e CBD. Essas descobertas podem revolucionar o melhoramento genético e permitir o desenvolvimento de cultivares com perfis químicos personalizados para uso medicinal.
