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Será que é a hora de dar uma pausa no THC?

by redacao

Assim como tudo, nosso corpo desenvolve tolerância ao uso prolongado e regular da maconha. Ou seja, você precisa de cada vez mais para ficar “chapado”. O tolerance break (pausa para tolerância), ou T-break, é uma estratégia que vem se tornando cada vez mais popular. Ele consiste numa pausa por um período determinado do uso da planta com o objetivo de recuperar a sensibilidade do nosso corpo aos canabinoides, que são as substâncias da planta, principalmente o Tetrahidrocanabinol (THC), que é o composto psicotrópico da cannabis – aquele que causa a famosa “onda”.

Os mecanismos envolvidos nesse processo ainda não foram totalmente esclarecidos. A tolerância tem relação com repostas adaptativas do nosso cérebro à presença da substância no nosso corpo. Alguns fatores que podem estar relacionados com uma maior chance de desenvolver essa resistência são: padrões de consumo, dose de THC utilizada, formas de uso (fumado, oral, etc.) e fatores genéticos.

O uso crônico da cannabis pode reduzir a quantidade de receptores de THC no nosso cérebro. O nosso corpo possui um sistema chamado endocanabinoide (SEC), sendo que o THC interage com os receptores CB1 para produzir os efeitos psicoativos. Ao longo do tempo, ocorrem alterações neuroadaptativas e esses receptores CB1 se tornam menos disponíveis em usuários crônicos da maconha. Estudos sugerem que uma pausa de 48h permite que esses receptores comecem a se tornar mais disponíveis novamente.

A duração indicada na maioria das referências são de 21 dias para que se recupere totalmente a sensibilidade, entendendo-se que necessitamos de cerca de 3 semanas ou mais para eliminar o THC do nosso corpo, que fica armazenado no tecido adiposo. Outras estratégias que a literatura traz são pausas de 48h a cada 30 dias ou 1 mês a cada ano para usuários regulares.

A orientação e acompanhamento por um profissional de saúde durante o T-break se mostrou importante para o sucesso nesse processo. Segundo um estudo realizado por Dr. Thomas Fontana e colaboradores na Universidade de Vermont, nos Estados Unidos, observou-se que a utilização de um guia semiestruturado para orientar 125 jovens de 18-25 anos que desejavam realizar o T-break, durante 21 dias proporcionou 81% de sucesso comparado a 51% dos que não seguiram, comprovando o poder da informação. Se desejar ter acesso a um guia com dicas e um diário acompanhar o seu T-break, em breve estará disponível nas minhas redes sociais (instragram: @dra.marianeventura).

Alguns sintomas são esperados nesse processo, sendo os principais: variações de humor (irritabilidade, tédio, desânimo), redução do apetite, alterações de sono, náuseas e cefaleia. É importante estabelecer metas, como por exemplo se ao final deseja interromper o uso da cannabis, reduzir o seu consumo ou os danos no momento do uso. É importante comunicar a amigos e familiares, fortalecendo uma rede de apoio, inclusive sendo essencial que as pessoas ao redor evitem oferecer a cannabis.

Além disso, as práticas de autocuidado devem ser priorizadas como atividade física, ingesta hídrica adequada e higiene do sono para controlar possíveis sintomas. Deve-se guardar todos os utensílios utilizados para a confecção do cigarro assim como a erva num local de difícil acesso. O uso de produtos ricos em CBD podem ser aliados em relação à melhora de sintomas como ansiedade e sono. Os produtos à base de THC podem ser inseridos após o período do T-break com o objetivo do paciente obter os benefícios terapêuticos desse composto, diminuindo ou até mesmo cessando o uso fumado (se for do desejo do indivíduo), ou seja, reduzindo os danos.

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Se o paciente consome tabaco ou outras substâncias e deseja parar, é essencial buscar um suporte para o tratamento. Infelizmente a nicotina é muito mais viciante que a cannabis, sendo que a sua interrupção é mais difícil e causa mais efeitos colaterais do que o T-break. Se forem realizados ao mesmo tempo, é possível que os sintomas relacionados à interrupção das duas substâncias aconteçam ao mesmo tempo.

No Sistema Único de Saúde (SUS) existem os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) voltados para usuários de álcool e outras substâncias que oferecem suporte multiprofissional gratuito ou é possível buscar um médico na rede privada para esse acompanhamento. Talvez seja necessário utilizar a nicotina em forma de adesivos, gomas, etc., assim como medicações ou tratamentos naturais, com orientação médica.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

– Bem bolado Brasil. T-break: já pensou em tirar férias da maconha?. Smokebuddies, 2023. Disponível em: https://smokebuddies.com.br/t-break-ferias-da-maconha/. Acesso em: dia, mês e ano.

– Fontana et al. The University of Vermont. T-Break Guide v4, 2022.

– Revista Ganja. TOLERANCE BREAKS: DESCANSO QUE POTENCIALIZA SUA EXPERIÊNCIA. Revista Ganja, 2023. Disponível em: https://revistaganja.com/saude/tolerance-breaks-descanso-que-potencializa-sua-experiencia/

– Rae, Adie. What is a cannabis tolerance break and when is it useful?. Disponível em: https://www.forbes.com/sites/dariosabaghi/2023/06/20/what-is-a-cannabis-t-break-and-how-it-works/?sh=446b71f41a07

– Thomas J. K. Fontana , Jonathan A. Schulz , Alan J. Budney & Andrea C. Villanti (2023) Feasibility and utility of a structured guide for cannabis tolerance breaks in young adults, Journal of American College Health, DOI: 10.1080/07448481.2022.2155061

– J.G. Ramaekers, N.L. Mason, E.L. Theunissen, Blunted highs: Pharmacodynamic and behavioral models of cannabis tolerance, European Neuropsychopharmacology, Volume 36, 2020, Pages 191-205, ISSN 0924-977X, https://doi.org/10.1016/j.euroneuro.2020.01.006.

– Wikler A. Aspects of tolerance to and dependence on cannabis. Ann N Y Acad Sci. 1976;282:126-47. doi: 10.1111/j.1749-6632.1976.tb49893.x. PMID: 828472.

– J.G. Ramaekers, N.L. Mason, E.L. Theunissen, Blunted highs: Pharmacodynamic and behavioral models of cannabis tolerance, European Neuropsychopharmacology, Volume 36, 2020, Pages 191-205, ISSN 0924-977X, https://doi.org/10.1016/j.euroneuro.2020.01.006.

*Dra. Mariane Ventura é médica formada pela Universidade Federal da Bahia (UFBA- 2020), especialista em Medicina de Família e Comunidade (FESF-SUS – 2022), pós graduada em cannabis medicinal (Unyleya – 2023) e pós graduanda em Medicina da Dor (CTD – conclusão prevista em 2024). Há 4 anos trabalha com a cannabis medicinal, acompanhando pessoas com as mais diversas patologias ou que buscam o bem estar. Algumas das principais doenças que se beneficiam com o tratamento à base de cannabis são: dor crônica, Alzheimer, Parkinson, fibromialgia, ansiedade, insônia, câncer, epilepsia, transtorno do espectro autista (TEA) e Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH).