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Os princípios da boa-fé e do interesse pelas associações de cannabis

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Se faz necessário em ano eleitoral, analisar e defender o papel das associações de cannabis medicinal, sob a ótica da boa-fé e do interesse pela comunidade, princípios estes centrais nas funções do terceiro setor. São vários os conceitos e diretrizes que delineiam os princípios dessas associações, e a tamanha importância destas como pilar da estrutura do Estado Democrático de Direito, ao analisarmos os objetivos de apoio ao estudo da cannabis medicinal no Brasil.

Existe uma planta, irrepetível na natureza, atestado pela ciência que comprovou ser eficaz no: Alívio da dor crônica causada pela artrite, fibromialgia ou enxaqueca ; Diminuição da inflamação em doenças como síndrome do intestino irritável, doença de Chron ou artrite reumatoide; Alívio das náuseas e vômitos causados por quimioterapia; Estimulante do apetite em pacientes com AIDS ou câncer; Tratamento das convulsões em pessoas com epilepsia; Tratamento da rigidez muscular e dor neuropática em pessoas com esclerose múltipla; Analgésico em doentes terminais com câncer; Tratamento da obesidade; Tratamento da ansiedade e depressão; Diminuição da pressão intraocular, útil nos casos de glaucoma; Atividade antitumoral.

Nós em quanto sociedade, devemos nos prestar ao papel de analisar a posição de instituições que fazem o uso da planta cannabis como forma de tratamento de seus associados, e a comprovação dos seus mais variados efeitos medicinais, amplamente divulgados, estudados internacionalmente e recomendado no tratamento de casos graves, refratários a tratamentos tradicionais.

O estado de necessidade como excludente de ilicitude dos associados das instituições, amplamente reconhecido pela jurisprudência moderna, faz com que a o princípio da boa-fé esteja enraizado e esculpido nos valores estatutários de uma associação, visando tão somente a promoção da saúde, como uma opção de medicina alternativa a pessoas e familiares que já tentaram de tudo, esgotando os meios convencionais e impactando nessa esfera tão precária da sociedade.

Afinal, o que é saúde se não o estado de completo bem-estar físico, mental, social e não somente ausência de afecções e enfermidades, pela própria definição da OMS. Assim, a constituição das associações como forma de atender a família do paciente que opta por tal terapia alternativa mostra um impacto direto na qualidade de vida dos envolvidos no tratamento de doenças severas e degenerativas.

Precisa-se entender o porquê da importância das associações e a disseminação de políticas contra esse avanço científico, esclarecendo a intenção e interesse destas para com a sociedade, que em outros países se mostra madura e acessível, ficando o Brasil, assim como foi na abolição da escravidão, por último. Se faz urgente, a quebra de barreiras preconceituosas, inatas para algumas pessoas nascidas a partir do século XX, demonstrando a importância do serviço ofertado por essas instituições, e os estudos de caso da cannabis medicinal com respaldo técnico, político, jurídico e principalmente científico.

FALAR DE MACONHA MEDICINAL NÃO É DIFERENTE DE FALAR DO USO MEDICINAL NA MACONHA
Um cachorro não pode voar, nem piar. Ele pode latir, morder, se lamber e uivar, por exemplo. Pois, todo objeto inanimado ou não, tem um círculo de latência. E este círculo é preenchido por uma hermenêutica (arte de interpretar) que obrigatoriamente deve encontrar amparo no senso comum. De certo modo, o senso comum é incubador das leis civilizatórias.

Falando em cachorros, certa vez um neurocientista comparou a cannabis ao cachorro. Refletindo que o cachorro era uma criação humana, domesticada para atender necessidades humanas. Assim como tem o cachorro de caça, o de pastoreio, até mesmo aquele que leva bebida alcoólica pra resgatar o alpinista da avalanche. Do mesmo modo é a planta cannabis, um cachorro botânico. A cannabis foi cultivada e selecionada por milhares de anos, de gerações em gerações, frutificando uma variedade de plantas. Mesmo que embora a cannabis medicinal seja novidade para muitos, ela não é um acidente. A maconha é uma construção humana dentro da farmacopeia universal.

Vanderlan Bolzani, cientista e professora titular do Instituto de Química de Araraquara da Universidade Estadual Paulista afirma que “Por mais inteligente que o homem possa ser jamais idealizaria modelos tão sofisticados como os que a natureza faz”. Na mesma oportunidade: “Uma única família vegetal produz centenas de substâncias de estrutura molecular diferente, logo é o modelo mais fascinante que o homem já teve para explorar e produzir fármacos, cosméticos, suplementos alimentares e outras substâncias que favoreçam a qualidade de vida humana”.

Às vezes é bom voltar a origem de tudo, visto que a evolução tecnológica na produção de remédios nos fez esquecer o fato gerador dos fármacos. Estudos científicos recentes, sobretudo, do National Institute on Drug Abuse (Instituto Nacional de Abuso de Drogas, em português – Nida), indicam que o canabidiol (CBD) e o tetrahidrocanabinol (THC) são de extrema importância medicinal, devido ao seu poder de cura eficaz no tratamento de dores, ansiedade, podendo inclusive desacelerar o desenvolvimento de células doentes no organismo.

A maconha tem tantas propriedades medicinais que é capaz de fazer o neurocientista Sidarta Ribeiro afirmar que, “a maconha está para a medicina do século 21 assim como os antibióticos para a medicina do século 20”,
E isso porque, por enquanto, não falaremos da área industrial da planta, pois tem gente fazendo avião, feito e movido por cannabis. Também, neste artigo, não irei falar que o lucro é o dobro da soja. Muito menos que o Brasil só tem a ganhar. Mas precisamos prestar atenção e dar ênfase, por exemplo, no caso de uma idosa que reduziu em 76% um tumor no pulmão após realizar o tratamento com óleo de maconha. O que importa, é saber o que importa. Estamos falando de mães com filhos epiléticos que, com uma dose do óleo de maconha as crises cessaram.

O BRASIL NUNCA PERDEU UMA GUERRA
Nas reuniões oficiais de Estados e seguindo os rituais diplomáticos, a bandeira brasileira sempre é posta elevada na vertical e nunca abatida, já que nossa pátria nunca perdeu nenhuma das guerras que travou. Pelo menos não as de geopolítica internacional com adversário gringo.

A guerra está no contexto das ciências humanas. E o contexto das ciências humanas exige criatividade. Logo, chamamos de criatividade no Direito pelo nome de “argumentação”. Onde nem tudo são teses, não precisaríamos ir muito longe para enquadrar os resultados culturais de uma sociedade onde a erva é pacificada. Longe do misticismo de que maconheiro é “good vibes”, peço que utilizemos a mente humana como um paraquedas: funciona melhor aberta.

É sabido que o exercício de algum direito, em sua maioria, lastreia em uma ambiência/dimensão social. Difícil seria compreender o direito longe da convivência que dita as relações interpessoais. De um interesse supra individual nasce um interesse coletivo. Mas poucos são capazes de canalizar isso. A guerra as pessoas, que é o que realmente significa a criminalização de substâncias, é notadamente encarada por todos os participantes, como “enxugar gelo”.

Atualmente nossa guerra as drogas nos consomem em uma metástase. Mas isso não está impedindo um dos três poderes da república tomar providências. Mesmo ferida de morte a teoria dos três poderes, fazendo com que apenas o judiciário resolva as questões de modo litigioso, vez ou outra esbarra-se em negativas de direito de pacientes. Mesmo a ANVISA se declarando incompetente pra regulamentar o cultivo de maconha.

A vontade do estado em tentar proteger a saúde pública, perseguindo uma substância utilizada para tratar a saúde pública, é o caso claro de desvio de finalidade que Celso Antonio Bandeira de Mello ensina “Em rigor, o princípio da finalidade não é uma decorrência do princípio da legalidade. É mais que isto: é uma inerência dele; está nele contido, polis corresponde á aplicação da lei tal qual é; ou seja, na conformidade de sua razão de ser, do objetivo em vista do qual foi editada. Por isso se pode dizer que tomar uma lei como suporte para a prática de ato desconforme com a sua finalidade não é aplicar a lei; é desvirtuá-la; é burlar a lei sob pretexto de cumpri-la. (…) Quem desatende ao fim legal desatende á própria lei” (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio, Curso de Direito Administrativo, 27 ed., São Paulo: Malheiros, 2010, p. 106)

Assim, como é cediço que a objetividade jurídica dos crimes previstos na lei de drogas, é a saúde pública, não se demonstra assim, que a conduta que criminaliza a planta, represente lesões ou ameaça ao bem juridicamente tutelado. Desde a concepção do nascituro penal que envolve a erva, em qualquer caso, que começa nas mãos de um agente policial, no exercício regular de sua função, para que as autoridades policiais ofereçam elementos aos juízes, suficientes e adequados, para examinar o aspecto legal, ou seja, o direito e o aspecto fático da situação de cada caso, livrando ou não, o usuário de qualquer penalidade , não existe respaldo para se gastar a caixa de ferramentas do direito penal brasileiro.
Tal narrativa faz com que a constitucionalidade conferida a guerras as drogas, não recaia sobre a aplicação de critérios exatos à luz da coleção de normas e princípios fundamentais que assolam o tema em análise.

Apesar do governo ser totalmente contra qualquer plantio de Cannabis, mesmo medicinal pra reduzir o preço e a burocracia, e do presidente da Câmara dos Deputados não pautar o PL 399, que legaliza o plantio medicinal, a Anvisa, órgão competente ao tema, tem feito o possível pra facilitar o processo de importação.

INEFICIÊNCIA DO ESTADO
O paradoxo ineficiente em que nos encontramos, diz respeito ao cenário de que: é possível a importação de medicamentos à base de cannabis-pagando em dólar- mas não é possível cultivar a o mesmo medicamento em solo nacional. Não faz muito sentido.

O jurista brasileiro Wálter Maierovitch afirma “A maconha foi proibida por interesses econômicos, especialmente para abrir o mercado das fibras naturais para o náilon”, diz o especialista em tráfico de entorpecentes e ex-secretário nacional antidrogas. Não é exagero dizer que o racismo foi elemento central na história da proibição da maconha e, aqui no Brasil, o preconceito foi escancarado no próprio texto das leis. Nessa questão, nosso País ainda entrou na história com um vergonhoso protagonismo na articulação pela criminalização da cannabis em escala global. (Lei do pito do pango, Rio de Janeiro, 1830)

Ora, se há autorização do estado, se o uso terapêutico é permitido e indicado, não há que se falar, sob nenhuma hipótese, em incidência da lei de drogas, seja para enquadramento em consumo, seja em tráfico. Isso porque, no âmbito da gestão pública é fundamental ser eficiente, pois os serviços públicos devem atender de maneira satisfatória a coletividade. Os princípios contidos nas atividades associativas consistem em direitos objetivos e subjetivos assegurado à generalidade de pessoas, e a constitucionalização de direitos fundamentais não deveria ser trincheira. Em qualquer lugar do mundo, princípios são incontestáveis, pois, quando adotados não oferecem resistência alguma. Até então, colhe-se apenas o atestado de incapacidade do Estado em ser efetivo, agir com produtividade e competência, aplicando-se assim o propósito de sua constituição. Pois o conjunto de atividades que o Estado desenvolve criminalizando a Maconha por exemplo, nunca deu nem nunca será possível dar bons resultados.

O princípio da eficiência do poder público é ignorado ano após ano. Passamos da fase da ingerência. Os motivos misturam preconceito com minorias, interesses de indústrias e moralismos religiosos. A descriminalização da Maconha já vem sendo discutida através de ações judiciais de impacto federal. Momentos assim impulsionam ainda mais a luta por justiça em uma nação tão desequilibrada. Haveria sim, o poder público, o dever de desconsiderar tais atividades, se estas fossem dirigidas de forma irresponsável e malfeitora. Mas percebam que o álibi e, ao mesmo tempo partícipe, canalizador das energias do Estado são o pré-conceito. Os propósitos explicitados aqui, devem ser propagados com a finalidade de se levar justiça e acesso, servindo para estimular sentido de se tornar realizável a atividade repressiva correta do Estado em sede penal. Maconha não é caso de polícia, é caso de saúde pública!

Na interpretação de Umberto Eco, onde diz que “Frequentemente os textos dizem mais do que o que seus autores pretendiam dizer, mas menos do que muitos leitores incontinentes gostariam que eles dissessem” (Eco, Umberto. Os Limites da Interpretação. São Paulo: Perspectiva, 1995, p. 81), destaca-se que a tese aqui proposta está longe de levar a crer em um “solipsismo judicial” onde a doutrina que defende existir apenas o eu e suas sensações (os outros entes, como seres humanos e objetos, seriam apenas partícipes de uma única mente pensante). Explico. O solipsismo judicial, então, seria aquele em que o ordenamento jurídico praticamente não teria importância para o juiz, que agiria apenas com base em sua moral própria, em suas sensações, ou pelo menos é uma expressão que joga luzes nessa realidade cada vez mais evidente, onde não há mais controle efetivo do Direito para que as decisões sejam nesta ou naquela direção.

Também não quero ser enquadrado em um efeito do “panprinciopiologismo”, que é um movimento de apoio e incentivo ao ativismo judicial porque defende as decisões baseadas em princípios que não têm normatividade suficiente, legitimando os valores dos juízes previamente estabelecidos (é dizer: os princípios serviriam para permitir que os juízes decidissem com base em suas pretensões próprias, formadas individualmente).

À medida em que a discussão do tema avança, a pesquisa EXAME/IDEIA realizada em maio de 2021, mostrou que o uso medicinal da cannabis tem apoio da maioria da população, incluindo entre setores mais conservadores. No levantamento, 78% dos brasileiros disseram ser favoráveis ao uso de cannabis para fins medicinais. “A pesquisa mostra que a cannabis para fins medicinais já é uma ‘não polêmica’”, disse em entrevista anterior à EXAME Tarso Araújo, diretor-executivo na Associação Brasileira da Indústria de Canabinóides (BRCann).

“Chegamos a um certo grau de conscientização e informação que é suficiente para derrubar o preconceito histórico.”
Resumidamente traduzindo é que temos uma lei de drogas que prevê o uso medicinal da maconha, e temos o órgão regulador que autoriza remédios com maconha. Mas não pode plantar, só importar. É como se fosse proibido plantar camomila. Só é válido comprar camomila, mas em dólar. Imagino o sofrimento das avós. Do outro lado temos os pacientes, com mães, filhos, avós nutridos pela esperança de um tratamento, recorrendo ao tráfico para fazer o remédio dos seus afetos enfermos. São pessoas com enfermidades graves, onde os tratamentos convencionais padronizados, seguindo a linha racional da medicina ocidental (me referindo ao fato de que é o mesmo remédio para todo mundo) não logrou êxito.

Na era da globalização em 02 de dezembro de 2020, foi aprovada, por maioria dos países integrantes da Comissão de Entorpecentes das Nações Unidas, recomendações mais brandas sobre a Cannabis, bem como o seu reconhecimento médico, terapêutico e científico. Depois de quase 60 anos da Convenção Única Sobre Entorpecentes de 1961, onde o Brasil é signatário, retirou-se a planta do “famoso” anexo IV. Este anexo engloba psicotrópicos com potencial danoso tão excessivo, que seu uso medicinal/terapêutico não deve nem ser considerado ou explorado. Isso fazia com que a Cannabis tivesse o status de demasiada nocividade, equiparando-a a heroína e sendo considerada mais perigosa que a cocaína ou qualquer outra substância existente na natureza.

Quem votou a favor: Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Colômbia, Croácia, República Tcheca, Equador, El Salvador, França, Alemanha, Índia, Itália, Jamaica, México, Marrocos, Nepal, Países Baixos, Polônia, África Do Sul, Espanha, Suécia, Suíça, Tailândia, Reino Unido, EUA e Uruguai. E o Brasil? O nosso eterno inventor da tomada de três pinos não só votou contra, como fez campanha, chegando a afirmar que tal votação era uma “estratégia comunista de poder”. Ilações e falácias sem menor sentido, pois países como Rússia, Cuba, China e outras ditaduras votaram contra. A recomendação foi aprovada pelas democracias do ocidente. A votação significou que agora, a maconha, passa a ser classificada na mesma “prateleira” da Morfina.

TRETA JURÍDICA
Longe de uma função limitativa que diz respeito a seu papel de limitar o exercício do direito em busca de impedir ou sancionar o abuso de direito. O indivíduo não pode exercer um direito que implique o aniquilamento da parte contrária. O artigo 187 do Código Civil trata sobre o tema, dizendo que: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.

Pois se o estado brasileiro, em sua vestimenta negacionista e incongruente, visto que a possibilidade de autorização para plantio, colheita e/ou manipulação, de algum modo, de vegetais ou substâncias das quais possam derivar drogas, foi disposta no Parágrafo Único do artigo 2º da Lei nº 11.343/2006 (Lei de Drogas), permite o fármaco mas não permite in natura, delegando-se à União a concessão de autorização para plantio, cultura, colheita, exclusivamente para fins medicinais ou científicos, e o nada faz, tipifica-se a sua ingerência.

A respeito da Lei de Drogas, tem-se o entendimento de que o direito brasileiro não admite o fenômeno do “usucapião de constitucionalidade”. Que explica o fato de que uma norma estar em vigor por muito tempo não lhe confere constitucionalidade ( STF, ADI 4451). Tanto é que a tese de inconstitucionalidade da posse de substâncias como a maconha, está aguardando julgamento na mais alta corte do país (STF, RE 635.659).

A mesma lei que proíbe permite o uso medicinal, tratando-se de condição de destaque, a demonstrar que não se desconhecia os efeitos medicinais de substâncias entorpecentes, caso contrário, a ressalva não teria sido colocada pelos legisladores. Parafraseando Churchill: tem gente no Brasil que alimenta os jacarés esperando serem comidos por último. Se assim não o fosse, à pálida afirmação de que “a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral” se bem aplicada fosse aos olhos do LIMPE (Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência), desnecessário seria estes argumentos que pode ser inédito para alguns.

Palatável ao entendimento que ora se busca, importante deixar claro o tom político que não se pode nortear uma leitura desta ordem. Não se busca aqui um despotismo jurídico gerado pelo LCM (Livre Convencimento Motivado). Ao contrário, pretende-se levar a uma livre convicção com critérios apriorísticos de uma escolha já positivada na legislação, manifestada em diferentes instrumentos normativos, mas mau/mal regulamentada, onde o judiciário é o protagonista.

Antonin Scalia, ex-Juiz da Suprema Corte dos EUA (2012) afirma que “deixar juízes interpretar palavras de um texto de forma a atingir o propósito abstrato de fazer justiça é deixar que eles decidam o que a lei deveria significar ao invés de decidir o que efetivamente significa”. Dessa forma, necessário um raio-x, sob a ótica das diretrizes normativas de
aplicabilidade expansiva que recaem sobre a ideia aqui propagada: perceberam que tem um núcleo, mas é elástico e irradiante, suscetível de se projetar numa miríade caleidoscópica de efeitos sociais.

Às vezes, juízes validam o que dizem com base na sua autoridade judicante, não na persuasão acadêmica genuína. Exemplos: Zavascki: “… o conteúdo da norma não é … aquele sugerido pela doutrina … juristas ou advogados, e nem mesmo aquele que foi imaginado ou querido em seu processo de formação pelo legislador; o conteúdo da norma é aquele, e tão-somente aquele, que o Poder Judiciário diz que é. Mais especificamente, podemos dizer, como se diz dos enunciados constitucionais (a Constituição é aquilo que o STF, seu intérprete e guardião, diz que é), que as leis federais são aquilo que o STJ, seu guardião e intérprete constitucional, diz que são”. (EREsp 644.736).

Há JUIZES que são verdadeiros juristas e têm muito a ensinar nos seus votos. Como afirma o Exmo. Sr. Desembargador do Tribunal Regional Federa da 1ª Região, Ney Bello: “O problema da importação é tornar extravagante o custo do tratamento para os pacientes, (…) cujas pretensões, não previstas em lei, são de aquisição de sementes no exterior – apenas na quantidade suficiente para plantio na residência dos pacientes – e derivados de cannabis sativa – maconha-, uso, transporte e porte, com vistas a extrair o óleo essencial e usá-lo in natura”.

Em uma hermenêutica conservadora, não significa que o juiz pode preencher lacunas legais e sim que deve determinar em qual extensão a lei altera o estado do direito que se obteria se a lei não existisse. Como explica Philip Pettit (1991, p. 230-40), o raciocínio consequencialista é instrumental: os agentes devem praticar ações que gerem consequências valiosas, ainda que a ação, em si mesma, não expresse esses valores.

Consequentemente nos deparamos ao Corolário da Universalidade da Jurisdição onde segundo o princípio da inafastabilidade, indeclinabilidade ou universalidade, é dado a toda qualquer pessoa, por mais singela que seja sua pretensão, buscar do Poder Judiciário a proteção de seu direito. Sendo assim, as consequências valiosas demonstradas nos autos de um processo, fundamentam-se a existência de centenas de autorizações de cultivo de maconha no Brasil, dentre pessoas físicas e jurídicas como as associações.

MODULANDO OS EFEITOS
Com a transformação e o acesso a melhores informações sobre a planta, a partir de 1961 ocorreram convenções internacionais de entidades sobre o controle de drogas que tinham como principal objetivo regular o uso medicinal e científico da Cannabis, mas mantendo a contínua repressão quanto ao uso social, legalizado, equiparado ao álcool e tabaco.
Diante disso, há uma lista de países que permitem o cultivo da maconha para o seu uso medicinal e científico. Israel, América do Norte, nos EUA, grande parte dos estados e a capital legalizaram o uso medicinal. Na Europa, países como Itália, Bélgica, Finlândia, Inglaterra, Holanda, Espanha, Suíça e outros.

Na Ásia, o uso nunca foi proibido. Com diferentes legislações, cerca de 40 países autorizam maconha medicinal. No geral, as legislações sobre maconha têm muitas especificidades em cada lugar, mas são majoritariamente divididas em: permissão para fins somente medicinais e terapêuticos ou também para uso adulto e social. Representantes de Israel e Canadá, onde a erva é legalizada, defendem tentativa brasileira de regulamentar uso medicinal da maconha. Mas o Brasil insiste em travar o avanço. Até a Agência Mundial Antidoping revisará proibição da maconha no atletismo. Temos até os jogos olímpicos.

Qual seria o resultado da omissão somado a alta demanda multiplicado pelo perigo da demora? Com esse embasamento que surgiram as Associações de Cannabis no Brasil. Através deste modelo jurídico único, instituições do terceiro setor preenchem uma lacuna, ou até mesmo um quarteirão deixado pelo poder público. São associações de pacientes que buscam o cultivo e tratamento coletivo dos seus associados, obtendo na justiça a autorização para tanto.

Como exemplo prático da modulação dos efeitos a realidade, o Diário Oficial do Município de Goiânia (DOM) trouxe, na edição do dia 29 de abril, a Lei 10.611, de 14 de abril de 2021. Promulgada pelo presidente da Câmara Municipal da capital, Romário Policarpo (Patriota), ela estabelece política pública e distribuição de maconha medicinal na capital. Trata-se de uma lei para a instalação de um política municipal no âmbito da saúde pública e privada de Goiânia, que diz respeito ao uso da cannabis medicinal bem como a sua distribuição gratuita pelo SUS, de qualquer fórmula da cannabis que contenha qualquer substância da planta ou concentração, podendo ser a planta inteira ou canabinóides isolados, de acordo com a necessidade de cada paciente cumprido os requisitos da prescrição médica e laudo médico, suscitando as razões do tratamento compassivo ou autorização judicial ou autorizados pela ANVISA, que prescindem dos mesmos históricos.

Conforme parecer jurídico da casa, o projeto é uma medida possível, voltada à “efetivação de direitos fundamentais, como o direito à saúde” e que “nem mesmo a criação de despesa se mostra como óbice à determinada efetivação de direitos fundamentais, vez que se encontra pacificado na jurisprudência que a falta de previsão orçamentária e o princípio da reserva do possível não podem ser invocados como obstáculos à efetivação do direito à saúde, pois este integra o mínimo vital do indivíduo, que o Estado deve assegurar”.

Nesta linha, a Lei de Keynes e a macroeconomia da demanda, explicada em sua grande obra A Teoria Geral do Emprego, Juros e do Dinheiro,1930, mostra que a história mostrou muitas vezes que o que cria a oferta, é a demanda. As atividades associativas se agasalham a palavra “curadoria”, com um significado multiusual. Afinal, alguém que é curador é alguém que protege, que cuida, que amplia. A tarefa de um curador não é ser um zelador. Que não deixa ninguém entrar. E que fecha, tranca. Ao contrário. Curadoria é quando se é capaz de se colocar à disposição. Desse modo, conclui-se que as Associações de Cannabis no Brasil são máquinas desejantes. Desejantes de uma regulamentação clara, inclusiva, reparatória, democrática e social. Isso quer dizer uma potência que quer mais potência, caracterizando assim, como Platão dizia, “uma insaciabilidade absoluta”.

*Matteus Jacarandá – Diretor jurídico da associação Curando Ivo