Home » Colunistas » O uso de vaporizadores no Brasil: tendências e perspectivas

O uso de vaporizadores no Brasil: tendências e perspectivas

by redacao

O uso vaporizado da cannabis medicinal tem se tornado cada vez mais comum em todo o mundo. Essa técnica, também conhecida como aromaterapia ou inalação, consiste em aquecer a planta para que seus componentes ativos sejam liberados em forma de vapor. 

O objetivo é inalar esse vapor para obter os efeitos terapêuticos da cannabis de forma mais rápida e eficiente do que por meio da ingestão ou fumação. Neste artigo, discutiremos a legalidade do uso vaporizado de cannabis medicinal no Brasil, como funciona o processo legal de obtenção e a perspectiva da redução de danos sobre esse uso.

1 – Legalidade do uso vaporizado de cannabis medicinal no Brasil

No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) é responsável por regular o uso da cannabis medicinal. A agência aprovou a regulamentação para a fabricação e comercialização de produtos à base de cannabis no país (¹). A aprovação, ainda em dezembro do ano de 2019 veio para expandir práticas de saúde com a cannabis para uso medicinal, veterinário e científico no Brasil¹. Entre esses e outros inúmeros produtos, estão os fitofármacos, que incluem as inflorescências (flores) da cannabis para vaporização. 

Apesar da abertura aos tratamentos com cannabis medicinal, há uma lacuna para refletirmos sobre o estado atual de ‘bagunça’ da nossa legislação sobre o tema. A RDC 46/2009 é a norma da Anvisa que proíbe a comercialização, importação e propaganda de dispositivos eletrônicos para fumar, incluindo vaporizadores e cigarros eletrônicos, no Brasil. 

A norma foi criada em 2009, antes do aumento da popularidade dos vaporizadores de cannabis e dos cigarros eletrônicos. Ela foi elaborada com o objetivo de regulamentar o uso de dispositivos que visam reduzir os danos causados pelo tabagismo, mas a Anvisa considera que esses dispositivos ainda apresentam riscos à saúde e podem incentivar o uso do tabaco. 

No entanto, a norma não se aplica a dispositivos destinados exclusivamente à administração de medicamentos e terapias. A proibição tem gerado debates sobre a necessidade de uma revisão da norma, levando em consideração novas evidências científicas sobre os benefícios e riscos dos vaporizadores e cigarros eletrônicos em relação ao tabaco e ao uso fumado da cannabis.

A RDC 46/2009 traduzida significa que, atualmente, não é legal comprar vaporizadores ou outros equipamentos para inalação de cannabis no Brasil. Além disso, não há produtos de cannabis medicinal disponíveis no mercado brasileiro que possam ser usados para esse fim. No entanto, a ANVISA está constantemente revisando sua regulamentação e pode permitir o uso vaporizado de cannabis medicinal no futuro.

É importante destacar que a regulação da Anvisa em relação aos vaporizadores é contraditória quando se trata de cannabis medicinal. Por um lado, através da margem legal concedida pela RDC 327/2019 a agência vem aprovando cada dia mais a entrada de infrutescências no país para uso medicinal, mas, por outro, falha em classificar os vaporizadores de ervas secas como uma categoria a parte. 

É importante entender as diferenças entre o vaporizador de ervas secas, o “vape” (cigarro eletrônico) de nicotina e/ou polietilenoglicol + essências, e os vaporizadores de resinas concentradas. Estes últimos são reconhecidamente utilizados para fins recreativos e costumam conter níveis extremamente elevados de THC, o que não é visto como adequado sob a ótica medicinal pela ANVISA (outro conceito ainda a ser discutido com mais profundidade posteriormente nessa coluna). 

Enquanto isso, o vaporizador de ervas secas não envolve a combustão da cannabis, o que significa que não há liberação de alcatrão ou outros resíduos prejudiciais à saúde. Além disso, a vaporização de ervas secas não produz fumaça em alta temperatura, o que é altamente abrasivo para as vias pulmonares. Comparado ao fumo, o vaporizador de ervas secas é menos prejudicial à saúde, diminuindo os riscos de doenças respiratórias e câncer de pulmão, entre outros problemas de saúde. 

É crucial que haja uma nova regulamentação da Anvisa para legalizar o uso dos vaporizadores de ervas secas para fins medicinais. Afinal, além das novas RDC’s sobre cannabis medicinal, a aromaterapia já é uma prática regulamentada pelas Práticas Integrativas e Complementares do SUS. 

A legalização dos vaporizadores de ervas secas reduziria o uso clandestino desses dispositivos e forneceria aos pacientes uma opção mais segura e eficaz para o uso da cannabis medicinal. O estudo de Dale H. Gieringer, “Cannabis ‘Vaporization'”, oferece uma fonte de informação técnica e científica extremamente útil sobre os benefícios da vaporização de cannabis e o uso dos vaporizadores de ervas secas para fins medicinais.  

Em resumo, é fundamental que a Anvisa revise sua regulação em relação aos vaporizadores de cannabis medicinal e legalize o uso dos vaporizadores de ervas secas. Além disso, é importante que os pacientes entendam as diferenças entre os diferentes métodos de consumo de cannabis e optem pelo uso mais seguro e eficaz possível, como a vaporização de ervas secas, sempre em acompanhamento com um profissional capacitado para prescrever e acompanhar o uso.

– AGENDE UMA CONSULTA COM O DOUTOR LEOPOLDO PIRES

2 – Processo legal de obtenção de cannabis medicinal para uso vaporizado

Para obter cannabis medicinal para uso vaporizado no Brasil, é necessário seguir um processo legal levemente burocrático. Primeiro, é preciso obter uma receita médica que indique a necessidade do uso da cannabis medicinal. Essa receita deve ser emitida por um médico registrado no Conselho Regional de Medicina (CRM).

Em seguida, é preciso solicitar autorização da ANVISA para importar ou cultivar a cannabis medicinal. A autorização é concedida apenas para pacientes que não encontraram sucesso com outras formas de tratamento e para os quais a cannabis medicinal é considerada uma opção terapêutica viável.

Perspectiva da redução de danos sobre o uso vaporizado de cannabis medicinal

O uso vaporizado da cannabis medicinal apresenta uma perspectiva positiva na redução de danos. Estudos técnicos e científicos comprovam que a vaporização é uma forma mais segura de consumir cannabis medicinal do que por meio da combustão, pois não produz os mesmos produtos químicos tóxicos gerados pela queima da planta. 

Além disso, a vaporização permite que os pacientes recebam os efeitos terapêuticos da cannabis de forma mais rápida e eficiente, sendo indicada para o controle de crises agudas dos sintomas apresentados. No entanto, é importante destacar que o mercado da cannabis ainda é cercado de contradições históricas relacionadas à guerra às drogas, resultando em produtos ruins, contaminados e, por vezes, aditivados com outras substâncias. 

Novas legislações podem ajudar a mudar esse panorama, reduzindo os riscos de uso. É fundamental seguir as orientações médicas e utilizar apenas produtos de qualidade e procedência confiável. Manter um acompanhamento profissional contínuo pode auxiliar nas questões relacionadas ao uso da cannabis medicinal.

Como fazer o uso vaporizado de cannabis medicinal da forma menos danosa possível

Para fazer o uso vaporizado de cannabis medicinal da forma menos danosa possível, é importante escolher um vaporizador de qualidade e seguir as instruções do fabricante. É importante evitar o uso de vaporizadores caseiros improvisados, pois eles podem liberar produtos químicos tóxicos prejudiciais à saúde.  

Além disso, é importante monitorar a temperatura do vaporizador, pois temperaturas muito altas podem produzir compostos prejudiciais, enquanto temperaturas muito baixas podem não liberar todos os componentes terapêuticos da cannabis.

 Cada variedade da planta pode apresentar um nível ótimo diferente de temperatura para liberação dos canabinoides e terpenos, mas quase todas costumam ter esse intervalo entre 170-210ºC. Temperaturas mais baixas, na faixa de 175ºC a 190ºC, são ideais para preservar os terpenos (óleos aromáticos naturais encontrados na cannabis) e produzir um vapor mais leve. 

Temperaturas mais altas, na faixa de 200ºC a 210ºC, produzem um vapor mais denso e podem liberar mais canabinoides (como o THC) da cannabis. É importante lembrar que a temperatura muito alta pode queimar a cannabis e produzir um vapor desagradável e potencialmente prejudicial à saúde.  Também é importante escolher um produto de qualidade e procedência confiável. 

Verifique a origem da planta e o método de cultivo para garantir que o produto seja seguro e eficaz. Além disso, é importante seguir as orientações médicas quanto à dose e frequência de uso.  Em conclusão, a regulamentação adequada do uso medicinal da cannabis é uma conquista crucial a ser alcançada no futuro, tanto para os pacientes que necessitam de tratamentos à base da planta, quanto para os profissionais que trabalham com essa abordagem terapêutica. 

Atualmente, o processo de obtenção e prescrição desses produtos ainda é bastante restritivo, e os preços e processos de importação podem dificultar ainda mais o acesso dos pacientes a esses tratamentos. É importante que os órgãos competentes trabalhem para tornar o processo de regulamentação mais ágil e eficiente, a fim de garantir que os benefícios terapêuticos da cannabis possam ser aproveitados de forma segura e acessível por todos aqueles que precisam.

Novidade chegando no mercado

É importante destacar que, por meio do investimento do reconhecido artista e empresário Marcelo D2 nos Estados Unidos, há grande potencial para que o mercado de flores de cannabis cresça ainda mais. Com sua vasta experiência na indústria musical e conhecimento em negócios, é possível que sua empresa de venda de flores de cannabis se beneficie dessa parceria e expanda suas operações para além do mercado nacional. Além disso, a entrada de um investidor notável pode trazer maior visibilidade e credibilidade ao mercado de cannabis também no Brasil, auxiliando na desconstrução do estigma que ainda envolve essa indústria em um país onde os tabus são abundantes.

Consequentemente, é possível que haja uma maior aceitação por parte do governo e do público em geral, o que pode ser altamente benéfico para toda a cadeia produtiva da cannabis. 

Ademais, é importante destacar que Marcelo D2 já possui experiência na área canábica, tendo em vista que ele possui uma marca de óleo de CBD no Brasil. Com a abertura do mercado de cannabis nos Estados Unidos, o músico está expandindo seus investimentos na área, agora com sua própria empresa de venda de flores de cannabis. Isso evidencia que o mercado da cannabis está em constante expansão, sendo cada vez mais pessoas interessadas em apostar nessa indústria em pleno crescimento.

Referências:

1 – Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução da Diretoria Colegiada – RDC nº 326, de 3 de dezembro de 2019.

2 – Abrams DI. The therapeutic effects of cannabis and cannabinoids: An update from the National Academies of Sciences, Engineering and Medicine report. Eur J Intern Med. 2018 Mar;49:7-11. doi: 10.1016/j.ejim.2018.01.003. Epub 2018 Jan 11. PMID: 29325791. Acesso em 07 mar. 2023

 3 – GIERINGER, D. H. Cannabis “Vaporization”. Journal of Cannabis Therapeutics, [s.l.], v. 1, n. 3-4, p. 153-170, 2001. DOI: 10.1300/J175v01n03_10. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1300/J175v01n03_10. Acesso em: 07 mar. 2023.

*Dr Leopoldo Pires é médico prescritor de cannabis, fundador do Instituto Hemp em Feira de Santana. É formado em medicina pela Universidade Estadual de Feira de Santana e pós-graduado em Cannabis Medicinal.

LEIA TODAS AS COLUNAS DO DR. LEOPOLDO PIRES