Nesta semana o portal de notícias Cannabis Medicinal começa uma coluna nova com a médica Amanda Medeiros Dias, prescritora de cannabis, onde toda semana ela irá explicar um tema relacionado à medicina canábica. E o primeiro tema que a Dra. irá explicar é o Sistema Endocanabinoide
O que é o Sistema Endocanabinoide?
Quando falamos na utilização da cannabis para a realização de tratamento médico, é de fundamental importância compreender como os fitocanabinoides presentes na planta interagem com o corpo humano. Para entender estas ações realizadas, a primeira coisa a decifrar é o Sistema Endocanabinoide.
O corpo humano contém um sistema denominado de Sistema Endocanabinoide. Ele é integrado ao nosso sistema nervoso central e se caracteriza pelo conjunto de receptores e enzimas que trabalham como sinalizadores entre as células e os processos do corpo humano. Sua principal função é ajudar a manter a homeostase, ou seja, manter o corpo em equilíbrio.
Para compreendermos melhor o Sistema Endocanabinoide, vamos voltar ao final da década de 60, quando o pesquisador israelense Raphael Mechoulam isolou da maconha o composto delta-9-tetrahydrocannabinol e, para testar os efeitos deste canabinoide em humanos, preparou um bolo para alguns convidados.
Como resultado, ele pode observar que o THC exerce efeitos sobre as pessoas. Mas, até então, ninguém realmente sabia como este canabinoide atuava dentro do cérebro. E foi somente um bom tempo depois que pesquisadores descobriram os dois principais receptores de canabinoides no corpo humano: o CB1 e o CB2.
Desde essas descobertas, aprendemos cada vez mais sobre o sistema endocanabinoide e os mecanismos para seu envolvimento no tratamento de várias doenças. Como resultado, a cannabis e seus canabinoides tornaram-se o foco no desenvolvimento de novas terapias e o uso medicinal da planta passou a ganhar cada vez mais espaço.
De modo geral, o receptor CB1 é encontrado principalmente no cérebro e em tecidos associados ao sistema nervoso central, como os neurônios da medula espinhal. No entanto, também pode ser encontrado em órgãos periféricos como o pâncreas, o trato digestivo e o fígado.
No cérebro, os receptores CB1 estão presentes em altas densidades em certas estruturas. Esses receptores também desempenham um papel importante durante o desenvolvimento do cérebro e em várias vias de sinalização, que são responsáveis pela cognição, pelo crescimento neuronal e pela regulação dos sistemas de recompensa e humor. A ativação do receptor CB1 é, portanto, responsável também por uma variedade de benefícios terapêuticos, como o tratamento da ansiedade, dor e transtorno de estresse pós-traumático (TEPT).
Já o receptor CB2 aparece, principalmente, nas células do sistema imunológico, ele suprime as respostas inflamatórias e ajuda as respostas neuroprotetoras a lesões cerebrais. O receptor CB2 também pode ajudar a regular as propriedades analgésicas da cannabis.
Endocanabinoides
O corpo humano produz a sua própria ‘cannabis’: os endocanabinoides. Existem dois principais endocanabinoides conhecidos dos especialistas até agora: a anandamida (AEA) e 2-araquidonoilglicerol (2-AG).
Esses endocanabinoides se ligam às células receptoras CB1 / CB2 nos sistema nervoso central / periférico, respectivamente, sinalizando que o Sistema Endocanabinoide precisa agir.
CBD e o Sistema Endocanabinoide
O CBD, ou canabidiol, é um dos principais canabinoides presentes na cannabis. Mas, ele é apenas um dentre centenas de fitocanabinoides encontrados na planta. Ele vem sendo utilizado na medicina há milênios e nas últimas décadas inúmeros ensaios clínicos demonstraram resultados positivos no tratamento de um amplo espectro de patologias.
O CBD tem a capacidade de afetar os receptores cerebrais de serotonina, um dos neurotransmissores responsáveis por regular o humor e o comportamento social. Cientistas revelaram que o CBD pode imitar a serotonina e ativar os receptores de serotonina 5-HT1A (hidroxitriptamina), o que leva a efeitos antidepressivos e ansiolíticos.
Mas, estes são apenas alguns dos benefícios do CBD. Ele também pode auxiliar no alívio da dor, na regulação da pressão arterial e densidade óssea e ajudar a regular o metabolismo, reduzindo os níveis de glicose no sangue e melhorando a sensibilidade à insulina. Tudo isso interagindo com os receptores (que nada mais são do que moléculas protéicas incorporadas às membranas celulares e que respondem farmacologicamente aos canabinoides).
Efeito comitiva
A cannabis possui centenas de compostos entre fitocanabinoides (ou apenas canabinoides), flavonóides e terpenos. Resumidamente o efeito comitiva é a ação dos principais canabinoides, como THC e CBD, influenciada uns pelos outros e também por terpenos, flavonóides e outros canabinoides menores que estão presentes em concentrações muito mais baixas. É como num filme, onde os THC e o CBD são os atores principais e vêem suas atuações se destacarem ainda mais com a ajuda dos ‘coadjuvantes’ como os terpenos e flavonóides.
A combinação de canabinoides em diferentes teores colabora para um tratamento mais seguro e com menos efeitos colaterais quando comparado ao uso de canabinoides isolados. A ação dos canabinoides se baseia na modulação do Sistema Endocanabinoide.
Síndrome da Deficiência Clínica Endocanabinoide
A teoria da Síndrome da Deficiência Clínica Endocanabinoide surgiu em 2001 em duas publicações muito citadas na literatura. Atualmente diversos novos estudos endossam esta teoria.
O fundamento está baseado na concepção de que muitas desordens cerebrais são associadas à deficiência ou excesso de neurotransmissores, como por exemplo o excesso de acetilcolina no Alzheimer, dopamina no Parkinson e a deficiência de serotonina e norepinefrina na depressão.
Diversos seres possuem Sistema Endocanabinoide subjacente que reflete nos níveis de AEA e 2-AG, tanto na sua síntese quanto no catabolismo e densidade relativa no cérebro. Se a função endocanabinoide diminui, infere-se que o limiar de resistência à dor diminua. Podem ocorrer distúrbios digestivos, do sono e de outros sistemas fisiológicos modulados pelo Sistema Endocanabinoide.
Podem ser encontrados níveis diferentes de AEA e 2-AG. No entanto, embora a deficiência possa ser prejudicial, os excessos de endocanabinoides também são claramente indícios de obesidade, síndrome metabólica e fibrose hepática.
- Dra. Amanda Medeiros Dias (Crm 39.234 PR) é médica formada em 2017, com pós-graduação em pediatria e nutrologia pediátrica e, atualmente, está cursando Psiquiatria Infantil pelo CBI Miami. Possui Certificação Internacional Green Flower de Medicina Endocanabinoide. Tem experiência na prática clínica com crianças e adultos, visão integrativa olhando o paciente como um todo, possui experiência prática mesclando medicina com aromaterapia e cromoterapia, com foco na visão holística. Além de prescritora, é paciente de cannabis medicinal desde 2018. Também é diretora técnica no Instituto Coração Valente e médica voluntária em projetos da UNA (Unidos pela Amazônia).