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Cannabis medicinal e a doença de Parkinson

by contato

Graças à descoberta do sistema endocanabinoide, atualmente os pesquisadores têm uma compreensão melhor de como as substâncias químicas interagem no cérebro. Eles também têm um melhor entendimento do que acontece quando o corpo não produz neurotransmissores suficientes para interagir com seus receptores correspondentes. As pesquisas recentes atribuem ao sistema endocanabinoide a manutenção das funções de homeostase, ou seja, o equilíbrio interno que os organismos vivos precisam para sobreviver. É pelo equilíbrio homeostático que são mantidos muitos processos internos, como os inflamatórios e imunológicos, a regulação de fluidos, os níveis de açúcar no sangue, a reação do organismo ao estresse, a manutenção da temperatura dentro de um intervalo estabelecido, entre tantos outros.

Os mensageiros desse sistema são chamados de endocanabinoides. Os dois principais são a anandamida e o 2-AG, que são chamados de ENDOcanabinoides porque são produzidos pelo próprio corpo (endo significa dentro). Os receptores canabinoides correspondentes, localizados em todo o corpo, são simplesmente denominados CB1 e CB2. É nesses locais que os endocanabinoides se ligam e iniciam suas ações. Os receptores CB1 estão principalmente no cérebro e na medula espinhal. Os receptores CB2 são mais frequentemente encontrados no sistema nervoso periférico e no sistema imunológico. Algumas das muitas funções reguladas ou promovidas pelo sistema endocanabinoide incluem:

– Neuroproteção
– Controle de movimentos musculares
– Energia e metabolismo
– Percepção da dor e inflamação
– Função cardiovascular
– Processos digestivos
– Função do sistema imunológico
– Humor e emoções
– Sono e ciclos de sono

Em situação ideal, o corpo produz todos os endocanabinoides necessários para manter esse sistema regulador funcionando adequadamente. No entanto, sob influência de doenças, lesões ou estresse, a demanda por endocanabinoides pode exceder a oferta, criando uma deficiência de endocanabinoides. Alguns pesquisadores acreditam que essa deficiência é a culpada por muitas condições difíceis de tratar, como enxaqueca, fibromialgia, síndrome do intestino irritável e vários distúrbios neurodegenerativos, levantando questões sobre o potencial terapêutico dos canabinoides advindos da planta cannabis para doenças coma a de Parkinson.

Isso porque os receptores canabinoides que mencionei anteriormente, CB1 e CB2, também respondem aos canabinoides que derivam da planta, aos quais chamamos de FITOcanabinoides. Os fitocanabinoides da cannabis imitam os efeitos dos canabinoides produzidos pelo corpo, dessa forma aliviando os efeitos das deficiências de endocanabinoides. 

Além disso, foi descoberto que os fitocanabinoides, particularmente o CBD (canabidiol), também influenciam outros sistemas de receptores não endocanabinoides, incluindo os receptores de dopamina, o neurotransmissor mais afetado na doença de Parkinson. A dopamina é liberada pelos neurônios para enviar sinais para outras células nervosas quando um receptor CB1 é estimulado. O cérebro tem várias vias de dopamina que regulam funções como movimento muscular, comportamento, cognição e percepção de prazer e dor. 

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O CBD interfere, também, nos receptores de GABA, que é um neurotransmissor que bloqueia a transmissão dos impulsos entre as células nervosas. Quando os receptores GABA são ativados, os impulsos nervosos hiperativos são reduzidos. É esse efeito que pode explicar o interesse nos produtos de cannabis medicinal no Parkinson, por seu potencial de minimizar os tremores associados à doença.

Além dos motivos já expostos, os canabinoides também se mostram como potentes antioxidantes e diminuem neuroinflamação – dois mecanismos importantes nas doenças neurodegenerativas. Têm, dessa forma, propriedades neuroprotetoras (impedindo a morte de neurônios), o que pode ser muito benéfico para aqueles que vivem com estes tipos de distúrbios, incluindo a doença de Parkinson. 

Vale lembrar que, embora pesquisas preliminares sejam encorajadoras, é importante observar que ainda há uma quantidade significativa de pesquisas que precisam ser feitas para avaliar todos os riscos, benefícios e aplicações clínicas do uso de cannabis medicinal nas doenças neurodegenerativas. 

*Dra. Letícia Mayer e formada há 13 anos pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre/RS. Possui residência em Medicina de Família e Comunidade (HNSC/RS), especialização em Geriatria (PUC/RS) e em Cuidados Paliativos (Instituto Paliar/SP). Pós-graduada em medicina canabinoide pela FAMUSP. Membro da SBEC – Sociedade Brasileira de Estudos da Cannabis Sativa. Tem ampla experiência na prescrição de canabinoides para pacientes com patologias como Alzheimer, Parkinson, dores crônicas, depressão, ansiedade, insônia, cuidados paliativos, entre outros.