Comparação com fluoxetina indica que composto da cannabis pode atuar tanto como analgésico quanto como antidepressivo
Estudo conduzido por pesquisadores da USP em Ribeirão Preto apontou que o canabidiol (CBD), um dos principais compostos da planta Cannabis sativa, pode representar uma alternativa promissora no tratamento da dor neuropática crônica associada a comorbidades psiquiátricas, como a depressão. Os resultados foram publicados na revista científica Neuroscience and Behavioral Physiology.
O trabalho comparou os efeitos do CBD aos da fluoxetina, um dos medicamentos mais utilizados no controle da depressão. Como conclusão, os pesquisadores observaram que a fluoxetina atuou apenas sobre os sintomas depressivos, enquanto o CBD apresentou efeitos combinados: antidepressivo e analgésico.
A pesquisa foi realizada no Laboratório de Neurociências da Dor e das Emoções – Centro Multiusuário de Neuroeletrofisiologia, com participação de diferentes unidades da USP em Ribeirão Preto. A fisioterapeuta Débora Thais Pereira Brito desenvolveu o projeto durante sua iniciação científica, sob coordenação do professor Renato Leonardo de Freitas, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP).
A pesquisadora Priscila Medeiros de Freitas, do Programa de Pós-Graduação em Psicobiologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCLRP-USP) e colaboradora da Escola de Enfermagem (EERP-USP), explica que a busca por novas abordagens se justifica pelo número significativo de pessoas com dores crônicas que não respondem aos tratamentos convencionais. Isso pode ocorrer tanto pela ineficácia das medicações em tratar dor e depressão simultaneamente quanto pelos efeitos colaterais indesejados dos fármacos disponíveis.
“O CBD não deve ser considerado um substituto dos tratamentos existentes, mas representa mais uma possibilidade farmacológica, promissora e multifuncional, com a vantagem de combinar efeitos antidepressivos e analgésicos em um único composto”, afirma Priscila.
Como o estudo foi realizado
Foram avaliadas diferentes doses de CBD (3, 10 e 30 mg/kg) e uma dose de fluoxetina (20 mg/kg), já validada para roedores pelo mesmo grupo de pesquisa. O modelo animal envolveu lesão do nervo isquiático com fio biodegradável, que promove alterações sensoriais semelhantes às neuropatias humanas, como alodinia (dor provocada por estímulos não dolorosos) e hiperalgesia (resposta exacerbada à dor). Também foram observados comportamentos relacionados à depressão, ansiedade e prejuízo cognitivo, comorbidades comuns em pacientes com dor crônica.
Os testes comportamentais incluíram:
- Avaliação da percepção e resposta à dor (estímulos mecânicos);
- Testes de desespero comportamental (natação forçada);
- Testes de anedonia (capacidade de sentir prazer).
Resultados: dose depende do efeito
Segundo os dados obtidos:
- A fluoxetina e a menor dose de CBD (3 mg/kg) atuaram sobre os sintomas depressivos;
- As doses de 10 e 30 mg/kg de CBD foram mais eficazes na redução da sensibilidade dolorosa;
- O efeito analgésico mais consistente foi observado com a dose de 30 mg/kg.
Os resultados reforçam o potencial terapêutico do canabidiol como uma opção para o tratamento conjunto da dor e da depressão. “São efeitos terapêuticos importantes demonstrados em diferentes testes comportamentais”, destaca Priscila.
Da pré-clínica à prática clínica
Apesar de ainda estar em fase pré-clínica, o estudo fornece evidências importantes para o desenvolvimento de ensaios clínicos robustos, que avaliem segurança, eficácia, dose e formas de administração em humanos.
Priscila reforça que alguns estudos clínicos já sugerem os benefícios do CBD em pacientes com dor crônica e depressão associada, com propriedades analgésicas, anti-inflamatórias e neuromoduladoras. Em relação à depressão, os estudos indicam potencial em casos resistentes ao tratamento convencional, especialmente quando associados a quadros de ansiedade.
Participaram do estudo as professoras Christie Ramos Leite-Panissi (FFCLRP), Evelin Capellari Cárnio (EERP), os professores Norberto Cysne Coimbra e Hélio Rubens Machado, além da doutoranda Ana Carolina Medeiros (FMRP).
O artigo completo está disponível em inglês sob o título:
Comparison between Cannabidiol and Fluoxetine effects on chronic neuropathic pain and depression comorbid in rats, na Neuroscience and Behavioral Physiology.
