Pesquisa financiada pelo Ministério da Saúde destaca lacunas na literatura científica e reforça necessidade de mais estudos clínicos sobre o uso do canabidiol no tratamento do TEA
Há um ano, a Universidade Estadual do Ceará (Uece) teve um projeto de pesquisa aprovado pelo CNPq, com financiamento do Ministério da Saúde via Decit/SECTICS, para mapear as evidências científicas sobre o uso do canabidiol (CBD) no tratamento de crianças e adolescentes com Transtorno do Espectro Autista (TEA). A investigação, agora concluída, foi coordenada pelo professor Gislei Aragão e traz uma análise criteriosa sobre o estado atual da literatura científica.
Segundo o coordenador, os dados indicam que o CBD pode ter efeitos positivos em sintomas como agitação, comportamentos disruptivos e padrões repetitivos, especialmente segundo relatos dos pais. No entanto, não há comprovação robusta de eficácia sobre os sintomas centrais do autismo, como dificuldades na comunicação social. Os efeitos adversos relatados foram, em geral, leves — como sonolência e diminuição do apetite. Ainda assim, o estudo identificou que os dados disponíveis possuem limitações importantes, como risco de viés moderado e evidências de baixa a moderada qualidade.
A expectativa inicial da equipe era realizar uma revisão sistemática com metanálise, combinando os melhores estudos clínicos já realizados sobre o tema. No entanto, a alta heterogeneidade entre os estudos dificultou esse plano. Foram encontradas variações significativas nas formulações de CBD, nas doses utilizadas, nos métodos de avaliação, no perfil dos participantes e nos desfechos medidos. Essa diversidade comprometeu a realização de uma metanálise confiável e segura.
Diante disso, os pesquisadores decidiram aprofundar a análise qualitativa dos estudos, o que possibilitou uma leitura crítica do cenário atual e a identificação de lacunas fundamentais. Para Gislei Aragão, essas mudanças são naturais no processo científico e demonstram o compromisso da equipe com o rigor e a qualidade metodológica. “A ciência é dinâmica. Adaptar o percurso quando necessário não enfraquece a pesquisa — ao contrário, reforça sua seriedade”, destaca o professor.
Com os dados obtidos, a equipe da Uece espera contribuir para um debate mais informado e ético sobre o uso do CBD no tratamento do TEA. Os pesquisadores reforçam que, apesar do potencial terapêutico observado, o canabidiol ainda não deve ser considerado substituto de tratamentos tradicionais e precisa ser utilizado com acompanhamento médico especializado. “Compreendemos a busca das famílias por alternativas que melhorem a qualidade de vida das crianças com autismo. O CBD é uma dessas possibilidades, mas precisa ser tratado com cautela, com base em evidências e segurança”, afirma Gislei.
A equipe destaca também o papel estratégico do Brasil nesse campo de pesquisa. Segundo os autores, o país possui capacidade científica e institucional para conduzir estudos rigorosos sobre cannabis medicinal. Os achados da Uece podem ser decisivos para nortear futuras pesquisas clínicas e políticas públicas.
Os artigos científicos produzidos a partir da pesquisa já estão em fase de redação e serão enviados para publicação em periódicos especializados. Para compartilhar os resultados com a sociedade, a Uece promoverá uma série de seminários abertos ao público, com inscrições gratuitas, nas cidades de Fortaleza, Redenção, Crateús e Cariri. O primeiro evento será realizado no dia 31 de julho, no campus Itaperi, em Fortaleza. Também haverá abertura para que escolas, instituições e associações solicitem palestras sobre o tema.
A pesquisa foi conduzida pelos professores da Uece Gislei Frota Aragão, Carla Barbosa Brandão, Valter Cordeiro Barbosa Filho, Paulo Sávio Fontenele Magalhães e Cidianna Emanuelly Melo do Nascimento; e pela pesquisadora da Universidade Federal do Ceará (UFC), Kelly Rose Tavares Neves. Contou ainda com a colaboração dos membros do Laboratório e Grupo de Estudo em Neuroinflamação e Neurotoxicologia (Lanit/Genit/Uece): Iara Vasconcelos, Madna Freitas, Renê Freitas, Quezia Jones, Maria Helena Pitombeira e Ruth Maria Moraes.
