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Governo dos EUA quer proibir usuários de cannabis de recuperarem direito ao porte de armas

by Redação

Departamento de Justiça reforça visão proibicionista e ignora decisões judiciais que contestam proibição federal

O Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DOJ) está recebendo comentários públicos sobre uma proposta de norma que trata da restauração do direito ao porte de armas por pessoas desarmadas sob a lei federal. O texto, no entanto, deixa claro que usuários de cannabis seriam “presumivelmente inelegíveis” para essa restituição, exceto em “circunstâncias extraordinárias”, com base em uma suposta “falta de respeito à lei e potencial periculosidade”.

A proposta, assinada pela procuradora-geral Pam Bondi, foi publicada na semana passada e coloca usuários de substâncias controladas – mesmo nos estados onde a cannabis é legalizada – em uma categoria automaticamente excluída da possibilidade de reaver os direitos previstos na Segunda Emenda da Constituição dos EUA.

A medida reforça a interpretação atual da seção 922(g)(3) da legislação federal, que proíbe consumidores “não autorizados” de drogas controladas de possuírem armas ou munições. No entanto, decisões recentes de tribunais federais de apelação vêm contestando a legalidade dessa proibição indiscriminada, defendendo a necessidade de avaliações individuais e apontando a ausência de precedentes históricos que justifiquem a restrição a uma categoria inteira de pessoas.

Mesmo com essas decisões judiciais, o Departamento de Justiça insiste na posição de que usuários de cannabis – ainda que cumprindo a legislação estadual – representam risco à sociedade e não devem ter acesso às armas. A proposta de regra estabelece que pessoas que deixaram de consumir substâncias podem, em tese, solicitar a restauração dos direitos. Mas não se compromete com critérios objetivos ou transparentes para essa decisão, abrindo espaço para julgamentos subjetivos por parte das autoridades.

A proposta determina ainda que os pedidos de restituição sejam enviados aos chefes das forças policiais locais, que poderão receber informações de terceiros sobre os solicitantes. O período de consulta pública termina em 20 de outubro, e os comentários devem ser enviados por meio do Federal Register.

O tema tem gerado disputas acaloradas nos tribunais. Em julho, o Tribunal de Apelações do Oitavo Circuito anulou a condenação de um réu com base na seção 922(g)(3) e enviou o caso de volta à instância inferior. A decisão ressaltou que, embora o governo alegue que usuários de drogas são perigosos por definição, a tradição legal dos EUA exige uma análise individualizada para justificar qualquer desarmamento.

A interpretação do Oitavo Circuito contrasta com a de outros tribunais, como o Terceiro Circuito, que também considerou que é preciso avaliar o risco real e individual que uma pessoa representa para justificar a retirada de seus direitos constitucionais.

O Departamento de Justiça, por sua vez, tenta levar o tema à Suprema Corte por meio do caso U.S. v. Hemani, que envolve um réu acusado de posse de armas enquanto consumia cannabis e cocaína. O governo parece apostar em casos com perfis menos simpáticos ao público para defender a constitucionalidade da proibição. Outros processos, como U.S. v. Cooper e U.S. v. Baxter, envolvem apenas posse concomitante de cannabis e arma de fogo e poderiam ter desfechos mais favoráveis aos réus.

O risco, para o governo, é que a Suprema Corte decida que a proibição é inconstitucional, abrindo um precedente com amplo impacto. Juízes federais já consideraram a regra inconstitucional em diversos casos, inclusive em Rhode Island e no Texas, apontando que a norma é “excessiva” e “sem base histórica”.

Apesar disso, o Departamento de Justiça segue defendendo a validade da norma com base em uma decisão recente da Suprema Corte (U.S. v. Rahimi), que permitiu restrições ao direito de armas em casos de violência doméstica. O governo alega que usuários de cannabis representam perigo semelhante — uma tese rechaçada por diversos tribunais.

Enquanto isso, pacientes e usuários de cannabis seguem em um limbo jurídico. Estados como Kentucky alertam que participantes de programas de cannabis medicinal estarão violando a lei federal caso mantenham armas. Já no Congresso estadual, parlamentares de diferentes partidos tentam avançar em propostas para garantir os direitos constitucionais desses cidadãos.

Organizações como a NRA (Associação Nacional do Rifle), que historicamente evitam se posicionar sobre a legalização da cannabis, têm reconhecido a confusão legal gerada pelas decisões conflitantes e a necessidade de revisar as políticas atuais.

A fala do ex-presidente Donald Trump em 2023, sugerindo que “maconha geneticamente modificada” poderia estar ligada a tiroteios em massa, mostra que o estigma em torno da cannabis segue sendo usado como justificativa para políticas discriminatórias.

Enquanto isso, a política federal continua tratando milhões de pacientes e usuários responsáveis como potenciais criminosos, ignorando a legalização em dezenas de estados e o crescente consenso científico sobre os usos terapêuticos da cannabis. Para além da discussão sobre armas, a postura do DOJ evidencia a resistência do governo federal em abandonar o paradigma proibicionista — mesmo diante de decisões judiciais e mudanças sociais cada vez mais evidentes.

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