O presidente Donald Trump oficializou seu apoio ao senador estadual da Flórida, Joe Gruters (R), defensor público da legalização da cannabis, para assumir a presidência do Comitê Nacional Republicano (RNC). A indicação representa uma guinada simbólica para dentro de um partido que, historicamente, tem se posicionado contra avanços na política de drogas.
O anúncio foi feito na última quinta-feira por meio de uma postagem nas redes sociais de Trump, na qual o ex-presidente declarou: “Tenho alguém que fará um trabalho maravilhoso como presidente do RNC. Seu nome é Joe Gruters e ele terá meu apoio total e completo.” Trump também declarou apoio a Michael Whatley, atual presidente do RNC, para uma vaga no Senado pela Carolina do Norte.
Gruters, ex-presidente do Partido Republicano da Flórida, tem se destacado por seu envolvimento com a pauta da cannabis. No último ciclo eleitoral, ele foi uma das principais figuras públicas a apoiar a Emenda 3, que previa a legalização da cannabis recreativa no estado. Apesar de contar com maioria simples dos votos, a proposta não alcançou os 60% exigidos pela Constituição estadual para ser aprovada.
A atuação de Gruters colocou-o em rota de colisão com o governador Ron DeSantis (R), que rejeitou veementemente a medida e criticou o senador por “se alinhar a grandes empresas de maconha como a Trulieve” e a “liberais democratas”. DeSantis chegou a afirmar publicamente que nem mesmo um pedido vindo de George Washington o convenceria a nomear Gruters para qualquer cargo de confiança.
Enquanto o governador explorava uma retórica moralista e criminalizante, Trump se aproximava de Gruters e de executivos da indústria da cannabis. Segundo o senador, o ex-presidente discutiu pessoalmente os méritos da legalização e avaliou seu potencial eleitoral entre os jovens e indecisos. “Aqui na Flórida, isso é apenas senso comum”, disse Gruters à imprensa, ao destacar que estava entre os poucos que influenciaram a opinião de Trump sobre o tema.
Gruters chegou a estrelar um comercial da campanha pró-Amenda 3, no qual declarava: “A Flórida é o estado mais livre da América, mas ainda temos leis ultrapassadas sobre a maconha que obstruem essa liberdade. A Emenda 3 devolveria essa liberdade aos adultos.”
Além do apoio à emenda, o senador apresentou projetos de lei que ampliavam os direitos de pacientes e a autonomia individual. Um deles permitiria o cultivo doméstico de até duas plantas por residência para uso medicinal. Outro visava incluir como condição elegível para o uso de cannabis médica qualquer enfermidade em que o paciente tenha recebido prescrição de opioides — além de autorizar o acesso ao programa estadual por pacientes de outros estados.
Mesmo com a resistência interna do partido, Gruters continuou defendendo que o uso adulto e medicinal da planta é coerente com os valores de liberdade individual que os republicanos afirmam defender. “Se você pode fazer seu próprio vinho ou cerveja, por que não pode cultivar sua própria planta de cannabis em casa?”, questionou em entrevista recente, onde também revelou ter experimentado gomas infusionadas durante uma viagem a Las Vegas: “Tudo o que posso dizer é que achei que todo mundo estava me olhando. Fiquei muito sedento e pedi para minha esposa me levar correndo de volta ao hotel.”
A indicação de Gruters por Trump ocorre em meio a crescentes tensões internas no Partido Republicano em torno da legalização da cannabis. Embora a base do partido mostre cada vez mais apoio ao tema — uma pesquisa de abril feita por um instituto ligado a Trump revelou que a maioria dos republicanos defende a legalização e a autonomia estadual —, a liderança republicana continua dividida e presa a velhas narrativas proibicionistas.
Ao mesmo tempo em que Trump eleva Gruters, outro nome escolhido por ele, Terrence Cole, foi empossado como administrador da DEA (Drug Enforcement Administration). Cole tem histórico contrário à cannabis, já tendo associado seu uso a aumento do risco de suicídio entre jovens. Apesar de afirmar em sabatina que revisaria a proposta de reclassificação da maconha, a planta não apareceu entre suas prioridades estratégicas mais recentes.
Enquanto isso, a Câmara dos Deputados dos EUA aprovou na semana passada uma medida que impede o Departamento de Justiça de prosseguir com a reclassificação da cannabis, revelando que parte do Congresso ainda tenta travar os avanços por vias legislativas.
Trump também nomeou Pam Bondi, ex-procuradora-geral da Flórida, como nova secretária de Justiça. Bondi tem histórico contrário à legalização, tendo se posicionado contra até mesmo o uso medicinal. Durante sua sabatina no Senado, evitou responder diretamente como lidaria com temas relacionados à cannabis em sua nova função.
Apesar dos entraves, a nomeação de Gruters pode representar uma inflexão na política partidária. Se confirmada, será a primeira vez que um defensor público da legalização da maconha assume a presidência do Partido Republicano nacional — algo impensável até poucos anos atrás. Em tempos de polarização, o tema da cannabis surge como uma das poucas pontes possíveis entre conservadores libertários, empresários do setor e movimentos pela justiça social.
